De cada vez que temos eleições somos relembrados da existência do chamado dia de reflexão. Infelizmente, à semelhança do que acontece com outros assuntos de cariz sazonal, raramente as vozes que se ouvem, apelando a que se faça a devida ponderação, dão origem a consequências. Honra seja feita à Iniciativa Liberal que, mais do que uma vez, apresentou projetos de lei a propor a sua eliminação. O mais recente, datado de março, não só foi rapidamente chumbado, como acabou por não suscitar grande debate, ultrapassado a grande velocidade pela discussão conjunta de diplomas mais polémicos como os círculos nacionais de compensação.
Pena, porque é cada vez mais difícil não nos questionarmos sobre o propósito e a eficácia desta restrição, principalmente quando as eleições são europeias. Recomendo ler um artigo da Euronews sobre os diferentes períodos de reflexão na Europa. Portugal figura entre os países mais rigorosos, sendo que ficamos também a perceber que existem outras diferenças igualmente relevantes e que vão desde os períodos de início e fim das campanhas, ao próprio desenho das restrições impostas, com países, por exemplo, a proibirem apenas sondagens de opinião. Curiosamente, uma resolução do Parlamento Europeu de 2022, a propósito da necessidade de harmonização das regras eleitorais europeias, manteve um período de reserva eleitoral, de 48 horas antes do dia das eleições, durante o qual não seria permitido perguntar aos eleitores sobre as suas intenções de voto.
Ora, em pleno século XXI e na era do digital, olhando para a nossa lei eleitoral, é impossível aceitar acriticamente alguns dos argumentos que vamos ouvindo. O principal, ou seja, de que as pessoas devem beneficiar de um período de formação de vontade isento de quaisquer influências externas, que em tempos idos poderia fazer sentido, cai totalmente por terra se pensarmos na agilização do voto antecipando, incentivado por figuras cimeiras do Estado no último ato eleitoral.
Para não falar nas consequências da digitalização, que transformou a natureza das eleições, com uma evidente mudança do foco das campanhas e da informação dos espaços físicos para a internet e para as redes sociais, onde a presença online da sociedade é constante, à semelhança dos conteúdos publicados, sendo particularmente difícil monitorizar e fazer cumprir as proibições. Aliás, esta restrição pode mesmo criar a oportunidade perfeita, como já aconteceu na Eslováquia, para disseminação de informações falsas, tendo em conta a dificuldade em desmentir e reagir.
Ouvimos também o argumento de que se trata de um ‘ritual da democracia’ e de que é bom para os candidatos e equipas poderem descansar. Apesar de reconhecer a tentação deste último argumento, relembrando os meus tempos de campanha, não creio que satisfaça os requisitos de interesse público e de proporcionalidade que devem sempre fundamentar uma restrição da nossa liberdade. E o mesmo digo em relação ao argumento de que é um ritual da democracia. O mundo mudou e as leis, sob pena de obsoletismo com tudo o que tal implica em matéria de ordem social, devem refletir a realidade do seu tempo.
Pelo que, sem o barulho da campanha, nem demais assuntos ou agendas pelo meio, este ponto merece ser discutido com seriedade e não é menor. Está em causa uma restrição cujos termos não podemos nem devemos aceitar, se não conseguirmos responder positivamente à razoabilidade e justiça desta medida tal como está consagrada. Na minha modesta opinião, desenha-se a necessidade de construir novos limites, mais respeitadores da liberdade e, não menos importante, mais eficazes e adequados ao tempo em que vivemos.