Euro24. Enquanto Munique espera pelos feiticeiros de wembley

Hoje, em Munique, pelas 20h00, a Alemanha defronta a Escócia no jogo de abertura da fase final do seu Campeonato da Europa. Apesar de viver momentos de profunda desconfiança, partirá como favorita. Mesmo que, na grande contabilidade da história, todos os confrontos entre ambos tenham sido muito equilibrados.

MUNIQUE – Joga-se futebol na Escócia deste a noite dos tempos. Em 1867 foi fundado o mais antigo dos clubes escoceses, o Queen’s Park, que por falta de adversários seus conterrâneos, participava na única competição verdadeiramente digna desse nome, a Taça de Inglaterra, algo que lhe valeu chatices e grandes no momento em que surgiu a orgulhosa Scottish Football Association, em 1873, e desde logo proibiu qualquer dos seus filiados de jogarem em torneios realizados pela sua maior inimiga The Football Association. Os dirigentes do Queen’s Park rebelaram-se. Os clubes escoceses eram poucos e a FA_Cup tinha grande prestígio. Mantiveram-se na sua teimosia, fecharam-se nas suas tamanquinhas e acabaram por ser expulsos da Federação Escocesa. Seriam reintegrados no ano seguinte.

Mas vamos ainda um pouco mais atrás. Em 1870 disputou-se o primeiro encontro entre uma seleção de escoceses e uma seleção de ingleses. O jogo não é considerado pela FIFA, já que a o grupo da Escócia não representava nenhuma federação, mas o embrião estava criado para que a Escócia se apresentasse finalmente com brio nas suas camisolas azuis escuras frente à Inglaterra, naquele que é considerado o primeiro desafio da seleção no norte da Grande Ilha para lá da Mancha. Tinham decorrido dois anos e o empate foi natural: 0-0 . O terreno ficou registado na História – Hamilton Crescent, o campo do West of Scotland Cricket Club’s em Partick, Glasgow. 4 mil pessoas estiveram presentes e a rivalidade ganhou mais chama do que nunca.

É preciso dar um grande salto, de um século para o seguinte, de forma a chamar a Alemanha para esta prosa já que, em termos do desporto bretão, vivia num atraso considerável. 1928 – vive-se nas grandes urbes industriais escocesas, sobretudo Glasgow, um momento de deslumbre. A Escócia foi a Wembley golear a Inglaterra por 5-1 e Alexander Skinner Jackson, que jogava no clube inglês Huddersfield Town assinou o primeiro hat-trick alguma vez visto naquele estádio. A multidão que viu algo de inédito era considerável: superava os 80 mil espectadores. A  imprensa escocesa delirou e chamou a essa equipa os_Wembley Wizzards, os Feiticeiros de_Wembley.

Havia entre escoceses e ingleses duas formas distintas de encarar o futebol. Ainda completamente viciados no kick-and-rush, os britânicos do sul (não vou chamar aqui aos escoceses britânicos do norte porque geralmente ofendem-se à brava) optavam pelo jogo direto, passes longos e bolas pelo ar. Já os seus grandes rivais preferiam um estilo mais coletivo, com a bola a ser trocada em evolução por vários jogadores, geralmente junto à relva. Seria com esta forma de jogar que, no ano seguinte, surgiram em Berlim para defrontar a Alemanha pela primeira vez. Claramente inferiores, os alemães puxaram os galões da sua íntima tenacidade. 42 mil pessoas viram os seus rapazes baterem-se com uma galhardia admirável e Hans Ruch respondeu com um golo ao que havia marcado William Imrie. O 1-1 agradou aos da casa que saíram sob uma salva de palmas merecida. A desforra demoraria sete anos a chegar.

Um adversário duro

1936. 14 de Outubro, Ibrox Park, em Glasgow. Por via da arte do seu treinador, Sepp Herberger, um dos grandes revolucionários do futebol germânico, a Alemanha ganhara outro estatuto. Mas não era suficiente. Ainda por cima numa altura em que por causa de um cabo de guerra de bigodinho ridículo que se entronizaria como_Führer o sentimento anti-alemão estava ao rubro. Jimmy Delaney, com dois golos, alegrou os 50 mil presentes em redor do relvado. A Escócia impunha a sua força e voltaria a fazê-lo depois da II_Grande Guerra, em 1957, quando foi ao Neckarstadion, de Stuttgart, a rebentar pelas costuras, dar nova lição de futebol, despachando a então Alemanha Ocidental, por 3-1, com Bobby Collins (2) e Jack Mudie a baterem o keeper Hans Tilkowski, reduzindo os alemães por Gerhard Siedl. Dois anos depois, no Hampden Park, 103 mil espectadores assistiram a uma partida muito mais equilibrada embora com idêntico vencedor. 3-2 para a Escócia, golos de Graham_Leggat, Jonh White e Andrew Weir para os da casa e de Uwe Seeler e Erich Juskowiak para os forasteiros.

Até hoje, na contabilidade geral, a Alemanha leva a melhor sobre a Escócia, Mas nunca houve resultados claramente desequilibrados. No total, 17 jogos, oito vitórias alemãs, cinco empates e quatro vitórias escocesas. É esclarecedor daquilo que esse poder mágico e indescritível que é o Tempo pode fazer. A Alemanha cresceu, a Escócia encolheu-se demasiado no seu cantinho juntos das Highlands e foi perdendo poder e prestígio. O primeiro triunfo germânico aconteceu no apuramento para o_Mundial de 1970, no México. No Volksparkstadion, de Hamburgo, Klaus Fitchel, Gerd Müller e Reinhard Libuda fizeram os golos que só tiveram resposta por parte de Jimmy Johnstone e de Alan Gilzean. Corria o ano de 1969, era Outubro, e cumpriam-se quatro décadas sobre o primeiro embate entre os dois. A República Federal Alemã, que atingiu as meias-finais desse Campeonato do Mundo e que se preparou para ser campeã mundial em casa, em 1974, conseguira finalmente superiorizar-se aos rapazes do «tartan». Entre esse ano de 1969 e 1999 foram poucas as partidas. Sete:  1-1, em Maio de 1973, no Hampden Park; 2-1 para a Alemanha em Março de 1974, no Waldstadion de Wegberg; 2-1 para a Alemanha, em Junho de 1986, no Estadio Corregidora, em Querétaro, no Mundial do México, com Sir Elex Ferguson como selecionador escocês; 2-0 para a Alemanha, no Idrottsparken, em Norrköping, para a fase final do Europeu, realizada na Suécia; 1-0 para a Alemanha, em Ibrox, num particular de Março de 1993 e, finalmente, uma alegre vitória escocesa por 1-0, no Weserstadion, de Bremen, em Abril de 1999.

Mudou-se de século mas não de tendência. É verdade que começou com um empate, na fase eliminatória para o Euro 2004 – 1-1 em Hampden, a 7 de Junho de 2003 –, mas os três jogos seguintes foram novamente dominados pelos teimosos e empertigados alemães: 2-1 no Westfalenstadion, de Dortmund, no jogo de volta para o Europeu português; e 2-1 e 3-2 em jogos de apuramento para o Euro de 2016, que marcou a glória nacional em França, na final de Saint-Denis. Esta noite, quando Alemanha e Escócia entrarem no Allianz Arena de Munique, para um embate que já tem 95 anos de história e de lendas, muito provavelmente aglomerarão o maior número de telespetadores que algum vez se juntou para assistir a uma compita entre duas formações que estão habituadas a fazer do orgulho a sua força de combate. E tão cinzenta tem sido a Alemanha de há anos a esta parte que talvez valha a pena apostar alguns guinéus na Escócia.