A sua sua voz suave e melancólica e os seus olhos verde água conquistaram não só os franceses, mas todo mundo na década de 60. Ficou conhecida com a sua grande franja, as camisolas de gola alta, o eyeliner bem desenhado. Tornou-se um dos maiores ícones da canção francesa, uma diva dos anos XX, símbolo do movimento do yé, yé. Cantou Tous les garçons et les filles, Message Personnel e Comment te dire adieu, antes de se dedicar à astrologia e depois à escrita. Dizia nunca ficar entediada, que o dia tinha tempo suficiente para si. «Há tantos sonhos além das nossas noites e tanto sol além das nossas paredes cinzentas. Mas não o podemos ver quando ficamos em casa. Há muito céu acima do nosso telhado. A porta é tão velha que não abre ou estamos em casa porque temos medo de apanhar um resfriado?», interrogava.
Apesar de doente, permaneceu o símbolo de uma juventude evanescente. Recorde-se que lhe foi diagnosticado um linfoma há mais de 20 anos, e um tumor no ouvido em 2018. Segundo o Le Figaro, devido à gravidade dos seus problemas de saúde, foi submetida a anos de radioterapia e imunoterapia, que lhe provocaram dores intensas. Já mal conseguia ver, e tinha problema de equilíbrio e memória. Por causa disso, em 2023, a cantora escreveu uma carta ao Presidente francês, Emmanuel Macron, pedindo que legalizasse a eutanásia no país europeu. «Quero partir em breve e de maneira rápida», escreveu. «Sabe que há uma grande maioria de pessoas que quer a legalização da eutanásia?», perguntou, pedindo ao governante que tivesse «empatia» e permitisse que «os franceses que estão muito doentes e que já não têm esperança parem com o seu sofrimento quando sabem que já não há alívio possível». «O meu sofrimento já tem sido tão terrível que tenho medo que a morte me obrigue a passar por mais», explicou a cantora numa entrevista via email à revista francesa Femme Actuelle. Numa outra entrevista à revista Paris Match, detalhou, mais uma vez a agonia da sua vida: «A doença destrói a mente. A idade ajuda, mas a radioterapia impacta a cabeça, como é o caso das 55 radioterapias que fiz. Aos poucos vamos perdendo a memória e a falta de equilíbrio reduz seriamente as possibilidades de movimentação», explicava em 2023. Em 2015, ano em que acabou por ser hospitalizada, tendo ficado em coma induzido, a artista francesa já tinha defendido a morte medicamente assistida. Considerava que França era «desumana» por não permitir o procedimento, pois apesar de, nessa altura, ter sido salva pelos tratamentos inovadores de radiação, os anos de tratamentos de radiação e imunoterapia foram-na degradando. Agora já não sofre mais. Françoise Hardy morreu na terça-feira aos 80 anos. A morte da artista foi confirmada pelo filho, o músico Thomas Dutronc, numa publicação feita no Facebook. «A mãe partiu», escreveu na legenda da fotografia onde aparece em bebé ao colo da estrela. A causa da morte ainda não foi avançada.
Desenhar o próprio destino
Françoise Hardy nasceu a 17 de janeiro de 1944 em Paris, numa clínica localizada no 9.º arrondissement, onde acabou por crescer num pequeno e humilde apartamento com a irmã, Michèle, e a mãe, Madeleine. O seu pai sempre foi ausente. A educação extremamente rígida resultou numa infância infeliz. Sempre foi tímida e teve um ar frágil. Quando terminou o ensino secundário, o pai perguntou-lhe que presente gostaria de receber e Hardy escolheu uma guitarra. Nela começou a criar as suas primeiras melodias, o que acabou por fazer nascer a sua paixão pela música. «Eu fazia músicas em três acordes e o meu sonho era gravar um disco, o que me parecia impossível », declarou ao Le Figaro em 2016. Foi a mãe quem a estimulou a ingressar na universidade e a jovem matriculou-se no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Pouco tempo depois, desistiu, ingressando na Sorbonne para estudar alemão. De acordo com o jornal francês, nessa altura, usava o seu tempo livre para se dedicar a compor músicas na guitarra, começando a «testar o seu reportório» no pequeno palco do Moka Club, onde atuava todas as quintas-feiras.
Um dia, deparou-se com um anúncio no jornal France-Soir. Decidiu então fazer a audição para a discográfica Pathé-Marconi. Apesar de não ter sido selecionada, ficou impressionada por ter prendido a atenção dos diretores e sentiu-se encorajada depois de ouvir a sua voz gravada. Pouco tempo depois, passou pela Philips Records, onde lhe foi recomendado ter aulas de canto. Aceitando o conselho, ingressou no Le Petit Conservatoire de la Chanson, a primeira escola para artistas de rádio, liderada pela cantora Mireille Hartuch, em 1961. Nessa altura, as aulas eram, por vezes, veiculadas na televisão francesa e foi exatamente aí que Hardy se estreou.
Aos 17 anos assinou um contrato com a editora discográfica Vogue e, no ano seguinte, alcançou o seu maior sucesso, com a canção Tous les garçons et les filles. A música começou a passar nas rádios europeias. O álbum Oh, oh Chér, que incluía a música, vendeu cerca de dois milhões de cópias (mais do que a maior estrela francesa, Edith Piaf, conseguiu em toda vida). Durante esse período, conheceu o fotógrafo Jean-Marie Périer, com quem manteve uma relação amorosa até 1967. Foi ele quem a incentivou a experimentar a vida de modelo. Rapidamente Hardy se transformou no ícone da moda francesa.
O seu segundo álbum – sem título –, foi lançado em outubro de 1963. Tinha apenas com o seu nome na capa, mas ficou conhecido pelo título da sua canção de maior sucesso, Le Premier Bonheur du jour. No ano seguinte, decidiu ir gravar os seus trabalhos em Londres nos estúdios da Pye Records com o produtor Tony Hatch. Pouco tempo depois, já era conhecida também nos EUA – a cantora assinou contrato com produtora Kapp, com quem gravou o álbum o The ‘Yeh-Yeh’ Girl From Paris! Seguiram-se 23 álbuns, constantemente aclamados pela crítica. O seu último Personne D’Autre, lançado em 2018, «trata da finitude e da morte de maneira simbólica», segundo a própria cantora. «No álbum existe uma música chamada ‘Special Train’, de que eu gosto muito, onde canto sobre o comboio especial que me levará para fora deste mundo. Mas claro que espero que ele me envie às estrelas e me ajude a descobrir o mistério do cosmos», afirmou na altura, numa entrevista ao jornal inglês The Observer.
Além de cantora, foi atriz. Em 1966 estreou-se como atriz no filme americano Grand Prix.