Macron trama Ursula

Tem razão António Costa ao referir que os socialistas europeus reivindicarão com certeza a presidência do Conselho Europeu.

É absolutamente natural que o PPE, forte da sua indiscutível vitória nas eleições para o Parlamento Europeu, queira apresentar como ‘resolvida’ a questão da Presidência da Comissão Europeia.

A própria Spitzencandidate, Úrsula von der Leyen, quiz aparecer na noite eleitoral com um manto de seráfica humildade vencedora, apostando no ‘centrão’ formado pelo PPE, pelos socialistas e os liberais, mesmo rejeitando por um lado os verdes e a extrema esquerda (em que tantas vezes se apoiou no atual mandato) e, por outro, o recente namoro com a extrema direita (que lhe valeu valente puxão de orelhas público do chanceler do seu país em véspera das eleições).

Mas ela sabe, melhor que ninguém, que nada é mais inseguro. Mencionemos apenas 6 razões concretas:

– Primeiro, tem que ser proposta e aprovada no Conselho Europeu, onde, se é certo que o PPE tem metade dos Chefes de Estado e de Governo, representam apenas cerca de 30% da população. Dos grandes Estados-membros, só a Polónia, cujo Governo é agora apelidado, se calhar corretamente, de centro-esquerda!

– Depois, não são poucos os membros do Conselho que não se revêm, menos aceitam, a designação prévia de Spitzencandidates, em flagrante violação dos Tratados da União Europeia.

– Outros imaginam que, se neste mandato  von der Leyen muitas vezes ignorou ou interpretou diferente e arrogantemente as orientações do Conselho, como seria num segundo mandato?

– Vinte anos depois da adesão dos primeiros países da Europa Central e de Leste à União Europeia, muitos dos 11 (em 27!) reclamam que, finalmente, lhes seja confiada a presidência da Comissão.

– E com o terramoto político que arrasou a França, Emmanuel Macron, na sua fuga para a frente, inimigo público dos Spitzencandidates, tem na presidente da Comissão Europeia o ‘bode expiatório’ ideal para explicar o seu desastre eleitoral: não foi Macron nem o Eliseu que desiludiram os franceses, foi Bruxelas e a presidente da Comissão que falharam, deteriorando a economia e o nível de vida dos europeus!

– Há 5 anos, em 2019, von der Leyen foi aprovada no Parlamento por apenas 9 votos. Se há algo que o Conselho não quer é abrir uma guerra com o Parlamento Europeu, e daí a busca de um nome mais prestigiado e consensual ganhar novos adeptos.

De qualquer modo, é bem provável que o PPE não prescinda da presidência da próxima Comissão Europeia. Se há 20 anos detém sucessivamente o lugar, é porque pela quinta vez consecutiva venceu as eleições europeias. O federalismo em que baseia a sua ideologia, e por isso extravasa a  interpretação dos Tratados e avança com os Spitzencandidates, não lhe permitirá aceitar um independente para o cargo. Nem alguém com o prestígio de Mário Draghi!

Nesse raciocínio, tem razão António Costa ao referir que os socialistas europeus reinvindicarão certamente a presidência do Conselho Europeu. Uma vez mais, serão agora estes que não prescindirão a favor dum independente. E no primeiro encontro (informal) do Conselho Europeu em Bruxelas, na próxima segunda-feira, o seu nome estará na cabeça de muitos, já que a outra possível candidata, a primeira-ministra da Dinamarca, sofreu uma importante derrota no domingo. Com uma presidência semestral duma Bélgica com um primeiro-ministro em estado de choque com a tareia que levou nas legislativas que tiveram lugar em simultâneo com as Europeias, um chanceler alemão socialista amigo que esta semana já lhe expressou o apoio, e um Presidente francês a querer fazer prova de vida e que nunca escondeu a admiração por António Costa, com uma vitória em Portugal e um patriótico apoio de Montenegro (que buscará o apoio do PPE), o nome de António Costa dificilmente poderia estar melhor referenciado. Uma eleição em que o Colégio Eleitoral são, exclusivamente, os 27 chefes de Estado e de Governo, sem carecer de ratificação parlamentar.

Resta o alto representante, o ministro dos Estrangeiros da União. Os liberais vão, afinal, ficar em quarto lugar! E os conservadores e reformistas de Meloni podem ‘exigir’ este lugar. Que terá que ser bem consensual para passar no crivo do Parlamento Europeu. Aí surge o nome de António Tajani, o ministro dos Estrangeiros da coligação de Meloni, ex-presidente do Parlamento Europeu mas… do PPE! Pode ser um golpe genial da líder italiana.

Por vicissitudes de calendários, a 10 e 11 de Julho, a NATO elege o seu novo secretário-geral. Um liberal, o holandês Marc Rute, parece o mais bem colocado mas ainda não reuniu o consenso necessário. Nos corredores de Bruxelas (e não só…) murmura-se que era uma boa porta de saída para Úrsula von der Leyen, ex-ministra da Defesa de Ângela Merkel, amiga da Ucrânia e (demasiado) amiga dos Estados Unidos.

Umas semanas interessantes a seguir, em que para já a única certeza parece ser que, com a segunda volta das legislativas francesas a 7 de Julho, o Conselho Europeu de 27 e 28 de Junho pode nada decidir.