Em 1974, na era marcelista do meu liceu em Évora, entre ação política vária havia a vulgar ‘conspiração de café’. Foi assim que no dia 24 soube do 25/Abril em senha mal percebida: pouco passava das nove da noite quando o Capitão Borges, habitual conspirador, envergando o camuflado passou apressado pela nossa mesa do Arcada (outras vezes no Portugal ou no Estrela d’Ouro) e, recusando o convite para sentar-se, justificou: “Amanhã sabem”. E soubemos. Nos dias seguintes enchemos de alegria ruas e praças, mas ao cabo de um par de semanas fiquei vacinado. Por razões que aqui não cabem percebi que o Partido Comunista mandava às urtigas a liberdade e a democracia. A abrilite, inflamação da virose abrilista, passou-me depressa. E, todavia, ainda há poucas semanas ouvimos Rui Tavares, iludido e pouco livre, dizer do 25/Abril a “mais bela revolução do século XX”. Deve ter vacinas em falta!
O 25/Abril, nascido sem clareza política, armou um programa generalista do ‘logo se vê’, daí os 3 D’s onde veio caber: Democratizar (pelo PC), Descolonizar (para a URSS), Desenvolver (para o socialismo). Os capitães pouco politizados, meio irresponsáveis, muito incautos e alguns bastante ignorantes, desconfiados dos generais entregaram o MFA ao PREC pelo ‘Verão quente’, pondo o país à beira da guerra civil. Não por acaso o 16/Março/74 das Caldas, hoje quase silenciado, fora antes abortado pelo PC impedindo a mão spinolista sobre o golpe militar. Mas sem Spínola não teria havido vitória sem sangue, daí Marcello se lhe entregar na vã esperança que o poder não caísse na rua. Não só caiu, quase se escaqueirou.
Ao cabo de 50 anos dá para questionar se os 3 D’s foram cumpridos de forma clara. Falemos da Descolonização, verdadeira causa do golpe, da qual a propaganda qualifica de exemplar. Triste exemplo!
O que chamam revolução do 25/Abril foi um golpe militar corporativo que logo quis dar solução ao grave problema da guerra ultramarina, não colonial. Portugal, ao invés do colonialismo de outros, propôs-se de facto colonizar, isto é, estabelecer novas nações africanas que colonos portugueses ajudassem a nascer seguindo as provas dadas pelo exemplo da miscigenação racial e evolução civilizacional do Brasil, fazer novos Brasis, expressão cara a Marcello Caetano. Os nossos colonizadores não eram colonialistas, viviam e amavam África, queriam lá crescer e morrer, longe do colonialismo que espolia riquezas alheias para delas se banquetear na Europa. Disso, falem os especialistas holandeses e ingleses ou os cleptocratas africanos de hoje.
Três fatores levaram ao fracasso marcelista em África: o Estado Novo foi incapaz de se renovar em tempo útil, a Guerra Fria sufocou o desígnio luso de novos Brasis a haver e, por fim, o PC sugou o 25/Abril, qual cavalo de Tróia soviético. Aliás, uma das razões da vitória fácil do 25/Novembro deveu-se ao facto do PC ter abdicado do contragolpe revolucionário e fê-lo, não para evitar a revolução leninista que quisera desencadear, mas porque o seu papel histórico na dita Descolonização havia sido cumprido ao entregar a África portuguesa à URSS: Angola tornara-se (in)dependente dias antes, juntando-se a Moçambique e à Guiné na alçada soviética. À URSS, pela partilha global geoestratégica com os EUA, não lhe convinha uma nova Cuba dentro da Europa num país NATO. Rosa Coutinho, o almirante vermelho, entregou armas portuguesas ao MPLA, fez de Portugal esteio da URSS contribuindo para o início da mortandade com milhões de vítimas na guerra civil angolana, assim em Moçambique onde a Frelimo espoliou e expulsou os portugueses, outra guerra fratricida começou. Na Guiné o PAIGC fuzilou mais de mil de ex-combatentes africanos que eram portugueses. Da África amada e sonhada pela alma lusa regressaram os que sempre lá teriam querido ficar. Chamaram-lhes retornados, sem terem vontade de retornar. Pesadelo, terror e morte, eis o resultado do primeiro D da Descolonização exemplar. Onde está a beleza disto Sr. Tavares?