Querida avó,
Não sei se estou com uma “crise de meia-idade”, seja lá o que isto quer dizer. Verdade seja dita, sinto frequentemente saudades de pessoas que já não vejo, nem oiço falar, há imenso tempo. Para os que nasceram neste milénio, verem o Júlio Isidro no programa “Inesquecível” é idêntico aos da minha geração quando víamos o Professor José Hermano Saraiva a falar do Tutancâmon.
No entanto, para a Geração X, pessoas nascidas entre 1965 e 1984, onde me incluo, já não é a mesma coisa.
Lembro-me de no tempo da televisão a preto e branco (estou velho), ouvir frequentemente: «De sua casa desapareceu…» Depois mostravam fotos descrevendo a pessoa e o que vestia. Hoje, com tantos canais, tantos programas… as pessoas “desaparecem” e ninguém quer saber o que é feito delas?
Já há imenso tempo que não oiço falar de uma mulher, da tua geração, que foi bastante conhecida, gravou imensos discos e até chegou a ganhar o Festival da Canção, com a canção “Menina do Ato da Serra”. Durante a minha infância e juventude era presença assídua na televisão e na rádio.
Temas como: “Zumba na caneca”; “Tu és o Zé que fumas”; “O mar enrola na areia”; “Pulguinhas”, entre outros, fazem parte das memórias de muito portugueses. Não esquecendo a “Marcha da Mouraria” e a “Marcha dos Marinheiros” (tanto que eu marchei em frente à televisão).
Como já percebeste, desde o início da carta, a pessoa de quem sinto saudades é a Tonicha.
Como escreveu Pedro Osório, «Tonicha – uma cantora que sempre ostentou naturalmente um ar de menina, com uma voz cristalina que faz lembrar a água de uma fonte a correr, que nunca se meteu em disputas de estrelato».
Quando formos a Beja (sua terra natal), no final de agosto, iremos fazer “jornalismo de investigação”.
Uma pergunta se impõe! Tonicha, O que é feito de si?
Bjs
Querido neto,
Há pessoas que, sem sabermos porquê, desaparecem. Não sabemos se estão vivos ou se morreram. Não se encontram em lado nenhum, ninguém fala deles porque ninguém sabe o que é feito deles. O meu primeiro amigo a quem isso aconteceu era jornalista, fazia crítica de televisão para o jornal A Capital. Muito nosso amigo, ficava muitas vezes lá em casa a tomar conta dos meus filhos, então muito pequenos, enquanto nós íamos jantar fora. E ia levá-los à escola muitas vezes. Depois de reformado continuou a ir muito lá a casa. Vim morar para a Ericeira e ele continuava a telefonar-me e nunca se esquecia de me dar os parabéns. Uma vez esqueceu-se e eu telefonei-lhe. Ninguém me atendeu. Deixei mensagem e ninguém me respondeu. Falei com amigos comuns que também não sabiam nada dele. Começámos a procurá-lo em hospitais – não estava em nenhum. Ele tinha uma relação complicada com os filhos – mas também nenhum deles sabia o que lhe tinha acontecido. Uma amiga comum acabou por dizer “deve ter morrido”.
E ninguém soube? Ninguém foi ao enterro? Claro que hoje já morreu, senão teria 110 anos, mas desapareceu.
Outra, muito mais nova, é a Tonicha. Que é feito dela? Por onde anda? Que lhe aconteceu? O que faz? Nunca mais se ouviu falar dela, nunca mais foi vista. Éramos muito amigas – e há anos que não sei nada dela. Espero que não tenha morrido – mas por que fugiu de toda a gente? Nem a família sabe dela?
Dantes, quando alguém desaparecia, alguém punha uma fotografia no jornal e escrevia «No dia tal, fulana saiu de sua casa…», etc . Agora já ninguém compra nem lê jornais???
Será que alguém conhece a Tonicha e, depois de ler isto, a vai avisar? Diga-lhe que não é preciso aparecer nem dizer onde está. Basta só que mande dizer “Estou viva!”
Era tão bom se isto acontecesse.
Bjs