Duarte Branquinho
O discurso dominante insiste em alertar para «o perigo da extrema-direita», mas usando esta classificação estafada poderíamos igualmente falar de «extrema-esquerda» e mesmo de «extremo-centro». Fará sentido?
A pronta dissolução da Assembleia Nacional após os resultados das eleições europeias, que confirmavam o Rassemblement National (RN) como o primeiro partido de França, com o dobro do de Macron, foi tão inesperada como fracturante. Numa corrida contra o tempo, marcada pelo curto prazo de apresentação de candidaturas e por um processo verdadeiramente alucinante, com episódios caricatos e mesmo inacreditáveis, assistimos a uma clara divisão ideológica. O cenário político-partidário francês separou-se em três blocos: um bloco nacional, liderado pelo RN, que podemos caracterizar como de «direita iliberal»; um bloco central, liderado pelo partido de Macron, «social-liberal»; e um bloco das esquerdas, liderado por La France Insoumise (LFI) de Mélenchon, de «esquerda iliberal».
A novidade, nesta nova configuração, é a fraqueza do centro. Este aspecto ganha mais importância em França devido ao sistema eleitoral a duas voltas, que pode levar a que em muitas circunscrições a escolha final seja entre um candidato do RN e um da LFI. Confronto que é tendencialmente favorável ao RN.
À direita, assistimos também a uma recomposição. No lugar das três direitas nascidas da Revolução Francesa e classificadas por René Rémond como legitimista, orleanista e bonapartista, Alexandre Devecchio propôs, numa análise correcta publicada no Figaro, três novas direitas que se afirmaram nas eleições europeias. Uma populista, a que corresponde o RN de Bardella e Marine, uma conservadora, que respeita aos Républicains de Bellamy, e uma identitária, do Reconquête de Marion Maréchal.
São estas três correntes que se juntam agora, representando o «campo nacional», para conseguir formar um Governo inédito em França. Pelo caminho, houve a divisão dos Républicains e do Reconquête, mas a «união das direitas» acabou por fazer-se. Por um lado, pela acção de Ciotti, que depois de se aliar ao RN se manteve como presidente dos Républicains contra os «barões» do seu partido. Por outro, pela inacção de Marion, que se absteve de apresentar candidaturas pelo Reconquête, contrariando o presidente do partido, Éric Zemmour.
A política francesa recorda actualmente a Florença de Maquiavel, o que a torna mais interessante e, sobretudo, uma lição do que se começa a passar, mais tarde ou mais cedo, pela Europa.
Porque a terminologia importa, e perante este cenário, a ironia é que o termo «direita nacional», desde sempre reclamado pelo RN e pelo seu antecessor, faz hoje mais sentido do que «extrema-direita», em especial quando usado no sentido pejorativo e para assustar os eleitores.
Que preocupa realmente os franceses? O poder de compra, a imigração e a insegurança: isto é, os temas principais das propostas do RN. Por muito que custe às esquerdas, o RN é hoje o partido que representa o povo. Melhor dizendo, é o representante da «França periférica» teorizada por Christophe Guilluy, a das classes populares sacrificadas à imigração e à mundialização.
No mapa de França com os resultados eleitorais das europeias destacava-se uma pequena mancha numa superfície totalmente azul. O azul assinalava a vitória do RN e só em Paris as cores mudavam. A mensagem era clara.
Hoje, apesar dos conselhos eleitorais contrários de futebolistas milionários e outros artistas, as sondagens indicam que a maioria dos franceses pretende Bardella à frente de um Governo das direitas. Sabendo o que está em jogo e subindo a parada, o jovem presidente do RN afirmou que só vai para Matignon se tiver maioria absoluta.
Em política não há certezas, mas Bardella aposta para ganhar – e para mudar.