O jornalismo deve informar ou formatar e desinformar?

Uma das estratégias deste totalitarismo soft é a repetição exaustiva nos média sobre que tipo de indivíduos e forças políticas são as responsáveis pela desinformação, discurso de ódio e fake news.

Há no totalitarismo soft actual do Ocidente uma obsessão com a eliminação do dissidente e do inconformado. Designamo-lo como totalitarismo soft, porque é já possível identificar as principais perversões que corroem as democracias. Quem está a destruir a democracia no presente são os que se dizem os seus guardiões. Esses processos típicos das ditaduras que existem na política ocidental estão também presentes em Portugal.

O proscrito para os falsos democratas e os seus média e intelectuais é esse outro intolerável que questiona o sistema e por isso deve ser silenciado, afastado, mas também demonizado, criminalizado e psiquiatrizado. Pensar diferente, ou mesmo pensar, criticar, exigir alternativas perante o sistema político hegemónico vigente é uma actividade de alto risco. Somos absolutamente livres nas sociedades liberais progressistas, mas de escolher o modo de pensamento único que o sistema propaga. Veja-se o consenso existente nos média e a simulação anedótica de divergências do que pertence ao mesmo.

Aquele que não se submete ao sistema é considerado opositor e desqualificado com os atributos de todas as malfeitorias e capaz de planos maléficos. Encontramos estas práticas nos mais diversos processos inquisitoriais, sejam eles religiosos ou políticos.

Todos os totalitarismos caracterizam-se por fornecer uma ideia exacta sobre quem são os bons e os maus, o típico maniqueísmo, e como as acções dos maus são sempre negativas. Essa identificação existirá para nos proteger dessa ameaça, do outro que não tem qualidades, apenas defeitos. O fascista, o extremista de direita, o populista, fazem parte desse ser odioso que quer colocar em causa o bem, que só o actual sistema possibilita. O mal é aquilo que esse sistema não consegue controlar. As pessoas não podem escolher alternativas, pois serão acusados de cederem a temíveis seduções diabólicas, a que apenas os incautos e os ignorantes sucumbem.

Uma das estratégias deste totalitarismo soft é a repetição exaustiva nos média sobre que tipo de indivíduos e forças políticas são as responsáveis pela desinformação, discurso de ódio e fake news.

 Os funcionários do sistema vigente, travestidos de jornalistas, agentes culturais, artistas e políticos do bem têm a missão de detectar o inimigo. O bem age sempre para defender a democracia e a liberdade.… Esses agentes do bem só falam verdade e praticam as melhores acções, os outros só procuram o mal. O controlo dos meios de comunicação e a transformação destes em agências de propaganda com os seus funcionários obedientes é outro dos aspectos mais degradantes da perversão actual da democracia. Por exemplo, o PSD vai apoiar os média privados, algo que criticava ao PS.

Questionemo-nos se é democrático e decente um sistema em que os média, ditos liberais de esquerda, e os políticos e comentadores, apresentam como factual e verdadeiro, o que é falso ou até inexistente, de modo metódico e diário. Se assim for, quem é que está a vincular desinformação, fake news e eventual discurso de ódio? Será também democrático os canais ditos de informação que se dizem isentos e rigorosos efectuarem um programa de guerrilha ideológica diária?

Será intencional ou apenas frivolidade essa má relação com a verdade e o uso de um viés de deformador sobre os acontecimentos?

Vejamos alguns casos perturbadores. Recentemente o socialista António Guterres presidente da ONU, sempre muito preocupado com a discriminação de mulheres e homossexuais, com o racismo, o populismo e o extremismo de direita no Ocidente e as acções de Israel, apareceu condoído a prestar tributo e apresentar condolências ao Irão pelo falecimento do seu presidente. O Irão, do qual esse presidente era uma das principais figuras doutrinadoras, é uma teocracia onde os direitos das mulheres e dos homossexuais não são garantidos nem protegidos, a oposição não tem direito a voz, há perseguições políticas e execuções por motivos ideológicos e religiosos. Para a ONU de Guterres no plano dos valores os grandes problemas mundiais são a homofobia, o sexismo e o extremismo de direita nas democracias ocidentais? O que teriam feito os média do sistema se fosse alguma figura que têm de diabolizar a fazer esse papel? Recordemos, que, por exemplo, a Arábia Saudita foi em 2024 escolhida para presidir ao Fórum dos Direitos das Mulheres da ONU, o Irão presidiu pela ONU a duas comissões sobre desarmamento, e a Somália e Paquistão foram eleitos para o Conselho de Segurança. E o que diriam os média controlados se um Trump qualquer mostrasse simpatia e apoio pela Rússia como o caso de Lula da Silva?

Não incomodará as pessoas independentes dos média, a ideia que em qualquer acto eleitoral, se não ganharem as forças permitidas por quem domina o sistema, essas eleições e os vencedores são completamente desqualificados? Qualquer derrota do sistema tem sempre um correspondente massacre mediático diário que pretende manipular o medo do eleitor com os fantasmas da eminência de uma crise financeira, da ingovernabilidade politica e da ascensão do extremismo de direita (o de esquerda nunca é problema) e do populismo. Nesta, sim, democracia fake, só podem ganhar uns, sempre os mesmos e a oposição, a não ser a criada pelo poder, não é permitida.

Assistimos também no mês passado a um caso paradigmático típico das falsificações e manipulações da realidade. Foi notícia nos principais jornais e nos partidos políticos do sistema, do PSD, PS ao BE, inclusive com declarações dos ministros e deputados, um caso inaceitável de racismo que demonstraria o do ressurgimento da extrema-direita, do populismo e os consequentes ataques ao imigrante. Neste caso, uma criança estrangeira indefesa foi barbaramente atacada e insultada devido à sua proveniência. Ouvimos ministros do governo, deputados do sistema e os seus obedientes funcionários televisivos com o respectivo destaque mediático, denunciarem as novas forças políticas que devem ser proibidas e silenciadas tal o mal que geram. Um grupo de crianças aos gritos de “vai para a tua terra” atacara, influenciadas pelo clima do extremismo de direita, um menino do Nepal que sofrera um autêntico linchamento. A sociedade devia então insurgir-se contra certos partidos políticos e perceber que estes só geram ódio e violência na sociedade.

Mas houve um pormenor, descoberto depois, mas sem qualquer destaque. O menino afinal não existia, não houve qualquer agressão, nessa escola não havia crianças nepalesas dessa idade, nem havia nenhuma denúncia dessa situação concreta, quer na polícia, quer no ministério da educação.

Os partidos políticos de esquerda, do PSD ao BE, os artistas e trabalhadores da cultura dependentes da esquerda, tal como os média dependentes dos governos que fizeram grande alarido, ficaram em silêncio.

 Demonizado o adversário com mentiras, acirrado o ódio contra o opositor, descoberta a falsidade em que se alicerçou essa demonização, não deviam esses políticos com responsabilidades pedirem desculpa e reflectirem sobre as consequências da propagação de falsa informação? E os órgãos diários de informação ou formatação disseram algo sobre essa fake news? Nada, um silêncio. Pensamos, foi leviandade ou má-fé? Fica para o leitor a reflexão sobre a resposta.

No dia desse linchamento que não existiu e que provava a existência de uma extrema-direita que não existe, o que existe é um confronto mais sério dos “mesmos de sempre”, houve ocorrências reais. Nas Caldas da Rainha houve um tumulto com dezenas de pessoas aos tiros, houve também tiroteio entre gangues com menores de 16 anos na Amadora e dias antes uma educadora de sessenta anos, doente oncológica, foi agredida por uma família com barras de ferro….. O que se destacou nesse dia? A falsa agressão a alguém que não existia.

Nos dias seguintes assistimos a outro exemplo ainda mais assustador. O primeiro-ministro da Eslováquia foi vítima de uma tentativa de homicídio. O que ficamos a saber? Houve um alegado atentado, um eventual suspeito e possíveis motivos políticos. O presidente não é liberal, nem socialista, nem de esquerda, mas sim de direita. Se fosse de esquerda ou do sistema vigente, estaria novamente a democracia em perigo perante o perigo da ascensão da extrema-direita. Descobrimos depois, a muito esforço, em nota de rodapé, que foi um indivíduo com simpatias políticas de esquerda e que baleou o primeiro-ministro devido às políticas conservadoras deste. Não é um crime de ódio? Não é um crime de terrorismo esquerdista? O canal SIC, por exemplo, no noticiário desse sábado, pelas 1.17h, conseguia praticamente atribuir ao primeiro-ministro e às suas políticas a responsabilidade por ser baleado…

Que nome tem este tipo de estratégia? O que se passa como os meios de informação representativos do sistema? E que sistema é este?

Dia 2 de Junho na Alemanha houve um ataque terrorista brutal com faca. As notícias desses média diziam que houvera um ataque contra elementos de um grupo anti-islâmico, ou seja, parece que a culpa foi dos atacados, dos organizadores do evento, “pediam-nas”, com a rapariga de mini-saia. Sobre o atacante, nada, é proibido dizer o nome, a religião e os motivos de crimes, excepto caso sejam ocidentais e brancos. As imagens mostravam um indivíduo bem identificado a esfaquear várias pessoas, os canais do sistema referiam ainda um “alegado agressor”. Imagine-se um branco de cabelo rapado a cometer este tipo de crime contra grupos específicos, o que não seria….

Referir estas manobras de um certo jornalismo cai sobre a alçada da manobra do “são contra o jornalismo”. Este tipo de operações de manipulação da realidade, de duplos critérios para as mesmas situações, de falsificações da realidade não têm como protagonistas qualquer extremismo de direita, mas sim, um tipo de sistema que corrói a democracia e tudo faz para perverter a realidade e os factos. Aceitarmos estas práticas faz de nós cúmplices do que Hannah Arendt designava como a banalidade do mal.