Portugal – Turquia. Saltem o risco de giz e comam o peru!!!

Martinez tem de se deixar de ‘geringonças’ para bater hoje a Turquia e selar desde já o apuramento.

HANNOVER – Escrevo na estação enquanto espero a ligação do comboio que me trouxe de Leipzig e me levará a Bochum, uma pequenina cidade das cidades-todas-pegadas do Vale do_Ruhr e que fica equidistante de Gelsenkirchen e de Dortmund onde Portugal vai jogar os dois últimos encontros do Grupo F. O primeiro é já este sábado, frente à Turquia, e uma vitória garante o apuramento para a fase a eliminar que, com todo este exagero de seleções na primeira fase, passa a ser, se quisermos pôr as coisas nestes termos, o momento do futebol a valer, sem espaço para os mais fraquinhos.

Caminho, portanto, de leste para oeste, da Saxónia à Baixa-Saxónia e, finalmente, para a Renânia do Norte-Vestefália. De um Leste que ainda mostra cicatrizes de uma assimetria que custa a curar, com as suas estradas remendadas, casas decrépitas, noites que fecham cedo e onde nem os uber ou os bolt são reconhecidos no ecrã dos telemóveis. Caminho para um momento decisivo da seleção nacional neste Europeu depois daquele ‘ver-se-te-avias’ que foi a disputa com a Chéquia pelos pontos, partida ganha por um segundo de felicidade à beirinha do fim e que nos deixou a todos com a ideia de que Roberto Martínez resolveu inventar uma ‘geringonça’ que está longe, muito longe, de funcionar com eficácia.

Hoje, no Iduna Park, exige-se mais e melhor. Veio-me agora à memória uma história contada pelo grande Erico Veríssimo, em O Tempo e o Vento. Um velho emigrante italiano, numa cidade fictícia do Rio Grande do Sul, tenta ensinar o seu filho a tirar mais prazer da vida. O monólogo, pelo que me lembro de cor, vai mais ou menos assim, misturando as duas línguas: «Figlio mio, senti, sai la história do píru? Traça um risco de giz in torno do cretino do píru e o píru pensa que está preso. Figlio, la vita è bella, la vita ti chiama. Salta o risco de giz e come o píru!».

Ora, era precisamente aqui que eu queria chegar. Um Europeu é algo de belo, para muitos algo de único, é preciso saber jogá-lo e desfrutá-lo com toda a qualidade dos jogadores que cada um tem. Nós podemos não ser a melhor das equipas que aqui está, e não somos certamente, mas frente à Turquia é preciso saltar o risco de giz e comer o peru. Algo que até faz sentido com um possível trocadilho em inglês, porque Turkey é o nome dessa ave galiforme.

A irritante cerzideira

Confesso que, na minha infância, quando ainda havia as costureiras que iam lá a casa, tanto em Águeda como no Olival, me deixava fascinar pelo movimento constante da arte de cerzir roupa rasgada, reforçando-lhe os pontos. A agulha ia e vinha e voltava a ir e a vir pelos mesmos buracos para que a consistência prevalecesse. No estádio de Leipzig, às tantas dei comigo a olhar para a equipa portuguesa e a rever o movimento da cerzideira. Passe e repasse e passe outra vez vez, nunca indo muito à frente sem voltar um pouco para trás. As ideias não iam para além de uma maçadoria irritante que pouca mossa fazia na fortaleza checa composta por um grupo de calmeirões que iam dando para as encomendas. De vez em quando, para piorar, centros para a área onde Ronaldo foi massacrado numa luta desigual de corpo a corpo com dois ou três adversários de cada vez. Roberto Martínez, que surpreendeu toda a gente com uma geringonça (longe de mim fazer conotações políticas) enfiando um lateral-esquerdo como Nuno Mendes num trio de centrais e, a despeito da liberdade dada a Cancelo e a Dalot, insistindo em lances interiores repetitivos com Vitinha e Bruno Fernandes entregues praticamente à mesma função por via da cobardia de uns checos que mostraram logo de início ao que vinham: com a ideia fixa de um empate e, se possível, fazer um golo com um pontapé de longe, algo em que são realmente perigosos.

Portugal correu o risco desnecessário de perder. Por falta de audácia e por falta de procurar outras soluções para além das que já elenquei. Teria sido injusto? Pois, mas o futebol está-se geralmente nas tintas para a justiça ou injustiça dos resultados. A Chéquia foi uma equipa super-defensiva? Foi, excetuando os últimos vinte minutos nos quais, perante a tibieza lusitana, se convenceram de que poderiam ganhar. Mas onde é que está escrito, em letra de lei, que é obrigatório jogar desta ou daquela forma? Cada um usa a estratégia que quiser e que se adapte melhor às suas virtudes e às suas insuficiências. Nesse ponto, os checos fizeram o que lhes competia, e que se lixasse a vontade do bom adepto português. Já Portugal não tirou proveito de uma situação que exigia paciência, sem dúvida, mas que era seu dever conhecer de antemão e estar preparado para ela. Agora, contra a Turquia, que com 3-1 no jogo com a Geórgia lidera o grupo, é de esperar novamente um adversário ao qual o empate é simpático. Pelas características dos seus jogadores, incomparavelmente menos robustos do que os checos, calcula-se que a sua tática defensiva não passe por encher a própria grande área de gente. Também não é essa a filosofia turca. Jogam apaixonadamente e sabem rematar de forma sibilina e precisa. No entanto, Portugal é superior e tem de mostrar que o é se não a malta começa a desconfiar. Que não nos deixemos ficar presos dentro de um círculo de giz.

afonso.melo@nascerdosol.pt