Foi na Anatólia, há 8.000 anos, que os humanos se observaram nos primeiros espelhos artificiais. Consistiam em pedaços de obsidiana polida, um material vítreo de origem vulcânica. Com o desenvolvimento da metalurgia, começaram a recorrer a superfícies metálicas para esse fim, como atestam os exemplares de cobre da Mesopotâmia do quarto milénio a.C. que chegaram até nós. No Império Romano, os espelhos de prata eram bastante comuns, porém no século I d.C., Plínio, o Velho, na sua História Natural, já mencionava que os artesãos fenícios produziam espelhos de vidro revestidos com folha de ouro ou chumbo.
No início do século XIV, após a recuperação da produção de vidro de boa qualidade, que tinha diminuído com a queda do Império Romano, surgiram os espelhos convexos. No célebre Retrato de Casamento do Casal Arnolfini (1434), de Jan van Eyck, vê-se um na parede (imagem à esq.). Eram objetos caros e de fabrico laborioso; frequentemente, o vidro estalava quando o metal líquido, usualmente chumbo, era aplicado.
O recurso à amalgamação de metais com mercúrio para a produção de espelhos terá começado na China no século V d.C., mas foi na Europa, no século XVI, que o método foi aperfeiçoado, principalmente pelos vidreiros da ilha de Murano, perto de Veneza. É dessa época a Vénus ao Espelho (c. 1555) de Ticiano, da escola veneziana (imagem ao centro). A divindade, esposa de Vulcano – deus dos metais, do fogo e da metalurgia –, contempla-se no espelho que lhe é apresentado por Cupido, seu filho, fruto de uma relação extraconjugal com Marte.
A técnica de Murano envolvia a colocação de folha de prata ou estanho sobre uma bancada de mármore, seguida da aplicação de mercúrio – um metal líquido à temperatura ambiente que se mistura com outros metais formando amálgamas – e, posteriormente, de uma placa de vidro. Após algumas semanas, o mercúrio evaporava-se, deixando uma película metálica sobre o vidro. Devido à elevada toxicidade do mercúrio, muitos artesãos morriam precocemente. Os efeitos nocivos da exposição ocupacional a agentes químicos, incluindo o mercúrio, foram documentados pela primeira vez na obra As doenças dos Trabalhadores (1700) de Bernardino Ramazzini (1633-1714), médico italiano considerado o pioneiro da Medicina do Trabalho.
Apesar dos riscos, o método de Murano foi utilizado durante três séculos. Em 1835, Justus von Liebig descobriu que os aldeídos reduzem sais de prata, produzindo prata metálica (a reação seria adotada como teste para a deteção de aldeídos). Em 1856, incentivado por Carl von Steinheil, físico e astrónomo que desejava aperfeiçoar os espelhos planos dos telescópios, o químico alemão foi ainda mais longe: verificou que ao mergulhar uma placa de vidro revestida com uma camada de cobre (obtida por eletrodeposição) em soluções amoniacais de nitrato de prata e glucose (açúcar que contém um grupo aldeído na sua forma aberta), esta ficava coberta por uma película de prata. Apesar de ter sido patenteado pelo seu criador, o método não conseguiu competir economicamente com a indústria tradicional de espelhos. Somente em 1873, quando a Alemanha proibiu o uso de mercúrio para esse fim, é que o processo se generalizou, mas Liebig já tinha falecido.
O espelho visível no quadro Um Bar nas Folies-Bergère (1882) de Édouard Manet, refletindo toda a cena (imagem à dir.), poderia muito bem ter sido produzido pelo processo de Liebig, que, na verdade, não era isento de problemas. Um dos produtos secundários da reação de formação da prata era o nitrato de amónio, um sal explosivo. Qualquer vestígio deste no espelho era suficiente para que, sob a ação de um agente de ignição como o calor, ele estalasse. Talvez seja essa a origem do antigo dito de que uma cara feia em frente a um espelho o fazia estilhaçar.
Os espelhos atuais contêm um metal muito mais barato: alumínio. Uma placa de vidro, tapada de um dos lados, é suspensa numa câmara de vácuo, onde o alumínio em pó é aquecido até vaporizar. Em contacto com o vidro, o vapor de alumínio condensa, formando uma película metálica de elevada refletância.
Como observou o poeta Samuel Butler, devemos agradecer aos espelhos por nos revelarem apenas a nossa aparência.