Bruxelas: Vencedores e Vencidos

Recorde-se a velha máxima da União Europeia: nada está decidido até tudo estar decidido.

Na segunda-feira reuniram num jantar informal em Bruxelas os chefes de Estado e de Governo da União Europeia, para uma primeira troca de impressões sobre os resultados eleitorais do Parlamento Europeu e a escolha dos chamados ‘Top Jobs’ das Instituições Europeias: Presidente do Conselho, Presidente da Comissão e Alto Representante para a Política Externa.

Muito já se escreveu sobre o que foi discutido, e vamos fazer apenas um exercício sobre os Vencedores e os Derrotados da semana, recordando uma máxima da UE: nada está decidido até tudo estar decidido.

Vencedores :

– Úrsula von der Leyen

Começou mal nos dias que antecederam este jantar já que tentou, até ao limite, impôr a sua presença quando era o principal nome a ser debatido pelos chefes de Estado e de  Governo para a Presidência da Comissão. Algo que foi muito criticado em praticamente todas as capitais! Tendo o PPE sido o indiscutível vencedor, foi o seu nome, naturalmente, o único proposto. Esperava-se forte oposição de Paris mas Macron, extremamente debilitado com a situação interna francesa, faltou ao combate. A forma encontrada para não fazer a escolha foi solicitar um programa de ação para os próximos cinco anos. Foi o modo dos que muito criticaram que tenha procurado ser a Spitzencandidate do PPE (por ser uma figura não contemplada nos Tratados) mostrarem que ‘desconheciam’ o programa eleitoral que apresentou; para outros foi a maneira de saberem antecipadamente quais as cedências que fará nesse programa a socialistas e liberais para ver a sua indigitação aprovada no Parlamento. Nos bastidores fala-se noutros dois nomes em reserva no PPE, Christine Lagarde (presidente do Banco Central Europeu) e Kristalina Georgieva (presidente do Fundo Monetário Internacional). Mas a menos que Macron faça uma forte investida final, dificilmente não será Von der Leyen a escolhida. Menos segura é a aprovação do Parlamento, tema a que voltaremos oportunamente.

– António Costa

O nome mais consensual na noite de Bruxelas. Do lado socialista rapidamente se conheceu que Mette Frederiksen, a PM Dinamarquesa, se retirava da corrida. No PPE, o truculento PM Polaco, Donald Tusk, ainda suscitou a questão dos alegados problemas jurídicos em Portugal, mas todos perceberam que era apenas uma iniciativa tática negocial. O PPE ainda tentou testar, a pedido do PM Croata, Andrej Plenkovic, se poderia ficar decidido que a Presidência do Conselho, que os Tratados prevêm que tenha um mandato de dois anos e meio (renovável uma vez) fosse alternada entre socialistas (com António Costa) e o PPE (em que Plenkovic, então no fim da sua terceira legislatura como PM, seria candidato). Proposta liminarmente rejeitada. Se num acordo político no Parlamento Europeu, eleito por 5 anos, pode haver essa divisão do mandato do seu Presidente, quantas eleições legislativas ocorrerão nos 27 Estados-membros? Entre as legislaturas que terminam e eventuais eleições antecipadas que podem ter lugar, a configuração do Conselho Europeu, daqui a dois anos e meio, pode ser substancialmente diferente da atual. Daí ter sido uma proposta votada ao fracasso. Tal não quer dizer que António Costa, se eleito, tenha garantido um segundo mandato, mas essa decisão (se bem que tenha sido a prática até hoje) será sempre dependente do juízo que os seus pares fizerem a seu tempo. A manterem-se as qualidades de diálogo e compromisso que os membros do Conselho conhecem, e que agora o catapultam para o lugar, e porque o posto continuará socialista, terá a via aberta.

Derrotados:

– Liberais

Há muitas legislaturas que os liberais foram sempre um terceiro grupo. Longe do PPE e dos socialistas, mas também bem destacados da Direita, dos Verdes ou da Esquerda. Este ano podem acabar no quinto lugar em dimensão dos grupos políticos do Parlamento Europeu, não sendo certo que possam ficar com o Alto Representante, em que a principal candidata é a PM da Estónia, Kaja Kallas. A luta pelo terceiro lugar é tal que parecem ter abandonado a ideia de suspender os liberais holandeses do VVD, como tinham anunciado quando estes entraram em coligação com a extrema-direita de Geert Wilders. Necessidade versus coerência…

– Verdes e Esquerda

Dois grupos políticos com perdas substanciais nas eleições de 9 de junho. Demasiada ortodoxia ambientalista (com sérias implicações económicas e sociais, em particular na agricultura). Sem representação no Conselho.

– Giorgia Meloni

Vencedora destacada em Itália, tem para já o seu ECR (conservadores e reformistas) no terceiro lugar do pódio. Durante a campanha eleitoral foi ‘reabilitada’ para o campo democrático por Von der Leyen (o que valeu a esta fortes críticas de toda a Esquerda que pode ter impato decisivo no voto do Parlamento). Ora nem por isso foi chamada para qualquer conversa nas discussões em Bruxelas. Uma humilhação que já começara na semana anterior no seu próprio país quando, à margem do G7, os outros líderes europeus presentes a excluiram do encontro informal em que tiveram uma primeira troca de impressões. Arrisca-se a que direita a que pertence não lhe perdoe não ter fomentado, ter-se mesmo oposto, a um grupo unificado soberanista que poderia ultrapassar o socialista. E quando pode ver o PM Checo, Petr Fialla, e o ODS mudarem-se para o PPE e ficar a única Chefe de Governo do ECR, pode ver a ID (Identidade e Democracia) de Marine le Pen ter quatro Primeiros-Ministros no início do próximo ano, quando entrar em funções a próxima Comissão Europeia: em França, na Holanda, na Hungria e na Áustria.

Aguardemos pelo Conselho Europeu da semana que vem.

Politólogo