A Quimera: O sonho inalcançável

O mais recente filme de Alice Rohrwacher, A Quimera (2023), já chegou às salas de cinema portuguesas. Após o seu sucesso em Cannes com Feliz como Lázaro (2018), Rohrwacher traz de novo à tela uma história passada no meio rural italiano, cheia de personagens memoráveis, bom humor e cenários encantadores.

No mito de Ariadne e Teseu, Ariadne oferece ao herói um novelo de lã vermelha para que este consiga escapar ao labirinto do Minotauro. Em A Quimera, é feita uma alusão ao mesmo mito. Arthur (Josh O’Connor) é Teseu, Beniamina (Yle Vianello) é a sua perdida Ariadne e Quimera – sonho inalcançável – e o novelo é o caminho até ela. Arthur rapidamente se distancia do papel de Teseu e substitui-o pelo de Orfeu, assim que descobrimos que está de luto pela sua amada.

A trama deste Orfeu é intrigante. Ele é um arqueólogo inglês que mora na Toscana e pertence a um grupo de tombaroli, ladrões de túmulos etruscos. Para além disso, Arthur tem um dom: é um “vedor” de tesouros milenares. Encontra, através de uma forquilha, os túmulos antigos que a sua trupe saqueia.

O filme começa com Arthur a voltar da prisão. Assim que chega ao seu lar na Toscana, reencontra-se com os amigos tombaroli e com Flora (Isabella Rossellini), mãe de Beniamina. Em casa de Flora, conhece a nova criada e aluna de canto, Italia (Carol Duarte), com quem vai criar uma ligação afetuosa durante o filme. As personagens de Rohrwacher são todas um pouco peculiares. Flora vive, literalmente, presa ao passado numa mansão em ruínas, enquanto nega a morte da filha. Já Italia esconde os seus dois filhos em casa da patroa e insiste em ensinar linguagem gestual a Arthur. Por fim, todos os membros da trupe de ladrões, barulhentos e romanescos, relembram um pouco as personagens de Pasolini e Fellini, principalmente durante a cena passada na celebração da Epifania do Senhor, onde há um grande cortejo.

Algo que se destaca no filme é a capacidade da realizadora de fundir vários géneros cinematográficos, como comédia, drama, neorrealismo e realismo mágico, para a construção da narrativa do filme.

A Quimera é comum a todas as personagens. Para os tombaroli, é um tesouro perdido milenar. Para Arthur, acaba por ser o mesmo. No fim do filme, ao seguir o novelo, encontra finalmente a sua quimera dentro de um túmulo, como se Beniamina fosse o seu tesouro perdido.

Passagem por Portugal e prémios

Alice Rohrwacher nasceu na Toscana e cresceu numa província em Úmbria. A cineasta vai buscar memórias da sua infância e explora-as nos seus filmes. Em O País das Maravilhas (2014), uma família de apicultores é o foco, o que remete à própria família da cineasta. Rohrwacher tirou o curso de Estudos Clássicos em Turim, fez Erasmus na FLUL em 2005 e, mais tarde, fez um curso de cinema documental na Videoteca Municipal de Lisboa, com a realizadora Margarida Cardoso. Portugal não é, portanto, território desconhecido para a realizadora. Numa entrevista ao SOL, Rohrwacher revelou que «Lisboa é uma cidade que a cada dia conta uma história da luz». «A morte, a sombra e a luz são os amores primogénitos do cinema se pensarmos nele como um feixe de luz que entra num buraco onde há movimento. Esse mecanismo descobri-o em Lisboa». As suas obras têm recebido diversas nomeações e recentemente ganhou o prémio de melhor argumento com o filme Feliz como Lázaro e o Nastro d’Argento Speciale com a curta-metragem Le Pupille (2022).