Em Abril de 2024 o aborto é para a União Europeia um direito fundamental. A ONU, que tem como principal objectivo unir todas as nações do mundo em prol da paz e da segurança e do desenvolvimento, com base nos princípios da igualdade, justiça, dignidade humana e no bem-estar de todos, indicou a Arábia Saudita para presidir à comissão do Estatuto da Mulher no fórum para a Igualdade de Género, e o Irão presidiu a uma conferência da ONU sobre desarmamento. A Somália e o Afeganistão entraram para o conselho de segurança da ONU.
Vários países ocidentais liberalizam o aborto, a mutilação de órgãos para mudança de sexo e o consumo de drogas em jovens. A interferência de pais ou professores leva à criminalização destes e legisla-se para que um beijo não consentido seja uma agressão sexual. Legaliza-se também o consumo de drogas, mas fumar tabaco, será doravante crime, para todos os que nasceram depois de 2009.
Os países europeus, ou seja, os regimes geridos por democratas que são apenas funcionários de um poder transnacional implacável já proíbem conferências e encontros que considerem que não vinculam e promovam a ideologia oficial. Como aconteceu em Bruxelas em 2024, em que o presidente da Câmara enviou a polícia para cancelar uma conferência de conservadores, onde estava, por exemplo, Farage, em nome da segurança pública. Pensar diferente, ser critico, é cada vez mais um crime de segurança pública.
No Ocidente, o sistema dominante considera que o grande inimigo das alegadas democracias actuais é ocidental e está patente no extremismo de direita, na revivescência do fascismo e no populismo. As populações devem viver aterrorizadas com a recrudescência do fascismo e desse modo aceitar as novas policias políticas dos progressismos e activismos liberais.
Os políticos ocidentais cederam a sua soberania ao poder dos mercados, e desse modo, beneficiam das delícias da companhia de um novo tipo de elites mais poderosas que quaisquer outras existentes na história humana. Esses grupos vivem completamente separados das pessoas comuns, das suas vidas e problemas reais. No Ocidente, esse sistema de poder transnacional instalou-se, sequestrou os Estados, transformou-os em plataformas do seu poder. Ora, um dos principais problemas das alegadas democracias liberais é o seu tipo de democracia, um poder não democrático, sem verdadeiro escrutínio e alternativa admissível, e o tipo de liberalismo e de progressismo instalado. Os propalados fascismo, o extremismo de direita, o populismo, são produções fictícias para efeitos de manipulação das massas para justificar um sistema de sentido único, o hiperliberal. Na verdade, os donos do ocidente são os seus mais letais inimigos.
Nancy Fraser, filósofo feminista e de esquerda, fala-nos deste liberalismo e do seu capitalismo canibal e totalitário. Este novo capitalismo sem regulação destrói todas as esferas da nossa vida e a consumir até a riqueza da natureza sob uma bandeira falsa de verdadeira prosperidade e bem-estar, que tem apenas efeitos imediatos satisfatórios, mas devastadores a longo prazo. O verdadeiro racismo e discriminação, por exemplo, estão na exploração pelas grandes corporações dos recursos de países de africanos. Os democratas ocidentais tornam as ditaduras e cleptocracias desses países possíveis, deixando as suas populações desamparadas e em fuga para o ocidente, quando preferiam viver nas suas terras, sem exploração, guerra e miséria e sofrimento. Esse comportamento é ilustrativo da amoralidade desse tipo de políticos do presente, que não se envergonham depois por cá de agitar as bandeiras verdes, arco-íris e dos migrantes.
Este novo capitalismo corroeu o nosso carácter e destruiu o sentido de bem comum, a capacidade de verdadeiras relações entre as pessoas e o sentido comunitário, desenvolvendo unicamente a sua natureza, ou seja, a predação e a amoralidade que tudo devora e exaure. Os média fantoches deste poder tem a missão de inventar demónios que não existem e vender os sonhos impossíveis deste modelo económico-cultural.
Christopher Lasch nos anos noventa em The Revolt of the Elites and the Betrayal of Democracy identificou cristalinamente a génese do problema. Uma nova elite transnacional e global que se afastou das pessoas, do povo e dos cidadãos usurpou as democracias ocidentais, capturando-as para as colocar ao serviço dos seus interesses corporativos mundiais….A grande ameaça são essas elites que conquistaram o poder e o impõem de um modo insidioso e totalitário, mas designam-se como guardiões da democracia.
Essas elites como descreveu Lasch «… estão no topo da hierarquia social e controlam o fluxo internacional do dinheiro e da informação, presidem fundações filantrópicas e instituições de ensino, comandam os instrumentos de produção cultural e impõem os termos do debate público. Essas elites formam uma casta de privilegiados apátridas, que se identificam mais com os seus similares estrangeiros do que com a maioria dos seus conterrâneos. Oligarcas transnacionais traíram não apenas os ideais mais legítimos da democracia, mas também os interesses nacionais e comunitários, ampliando em escala global a disparidade entre a riqueza e a pobreza, semeando por toda a parte a miséria e o desespero, decretando, enfim, o declínio da classe média e das nações…». São essas elites também, através do seu controlo dos média e dos gigantes tecnológicos que fixam os termos do debate público, nem no nazismo a propaganda chegou ao nível de manipulação e controlo do ocidente do século XXI.
Destruir, desenraizar, desculturalizar, descivilizar é a tarefa permanente para a terraplenagem do mundo constituído por seres humanos atomizados vivendo num imenso centro comercial. Tudo o que enraiza foi destruído: valores, família, comunidade, bem comum, etc. Veja-se, e Lasch demonstra-o, como até a própria expressão “civilização ocidental” foi remetida para uma falsificação repugnante que devemos aceitar como verídica, a de que esta civilização significa um sistema organizado de dominação, concebido para impor a conformidade com os valores burgueses e para manter as vítimas da opressão patriarcal — as mulheres, as crianças, os homossexuais e as pessoas de cor — num estado de permanente subjugação. As políticas progressistas assentam principalmente neste logro.
Felizmente há um crescente despertar de consciência das pessoas que parece iniciar a quebra dessa hipnotização pavloviana diária que o sistema exerce sobre as nossas mentes. O grau de destruição provocado pelo hiperliberalismo liberal, o seu totalitarismo brutal e cruel, quer no plano económico, societal e ético, é tal, que tínhamos de reagir.
Assistimos com esperança ao surgir de várias reacções, seja das pessoas comuns, dos trabalhadores, e até de novas formulações políticas, muitas carecendo ainda de organização e consistência. A única hipótese de salvação, não só da civilização ocidental, dos seus melhores valores, mas até do próprio homem, está na rejeição radical deste sistema vigente, falsamente designado de democracia liberal.
Destaque-se que a esquerda falha totalmente essa luta, pois a nova esquerda ao escolher apenas um tipo de clientelas e ao aderir ao progressismo, essa artimanha liberal, desistiu de combater os verdadeiros problemas.
Nancy Fraser elenca um conjunto de alvos, que não são só da esquerda, da boa esquerda já só residual. Esses alvos são, para já, a austeridade, o livre comércio, a dívida predatória e trabalho precário e mal remunerado, mas também, acrescentamos, a destruição dos valores e da ética, que não são defeitos, mas a própria essência da ideologia que comanda as sociedades ocidentais, ou seja, o capitalismo financeirizado contemporâneo e o seu facilitador, o progressismo.
O diagnóstico do logro progressista está feito: «A esperança de que “novos movimentos sociais” tomariam o seu lugar na luta contra o capitalismo, uma esperança que durante um breve período sustentou a esquerda, no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, não desembocou em nada. Não apenas os novos movimentos sociais — o feminismo, os direitos dos homossexuais, os direitos sociais mínimos, a agitação contra a discriminação racial — nada têm em comum entre si, como a sua principal reivindicação tem por objectivo integrá-los nas estruturas dominantes, e nem tanto colaborar decisivamente para uma transformação revolucionária das relações sociais.».
Só há uma única hipótese, considerando o poder tecnológico deste liberalismo global, para um caminho que não seja o da destruição irreversível do homem, da comunidade e da natureza, e este passa pela compreensão do que une, quer a direita, quer a esquerda, nessa ideia das sociedades decentes e da dignidade humana. A boa esquerda e a boa direita tinham muitos aspectos em comuns e até uma tradição na luta contra a ideia de uma sociedade desenraizada e de seres imbecilizados e atomizados. Importa recuperar essa luta. O principal inimigo é a globalização corporativa, que o hiperliberalismo promove, e esta inclui o consenso de socialistas, liberais, sociais-democratas e até da nova esquerda. Essa luta é de direita e esquerda, principalmente dos que os média diabolizam.
O combate à destruição hiperliberal aplica-se também à sua caução societal, o progressismo, a outra face da mesma moeda. Nancy Fraser explicou de modo objectivo qual foi o lugar da génese do ovo da serpente: «Na sua forma norte-americana, o neoliberalismo progressista é uma aliança da corrente principal dos novos movimentos sociais (feminismo, anti-racismo, multiculturalismo e direitos LGBTQ), por um lado; e altos sectores empresariais “simbólicos” e serviços (Wall Street, Vale do Silício e Hollywood), por outro. Nesta aliança, as forças progressistas estão efectivamente unidas às forças do capitalismo cognitivo, especialmente à financeirização. No entanto, involuntariamente, os primeiros emprestam o seu carisma a este último. Ideais como a diversidade e o “empoderamento”, que, em princípio, poderiam servir para fins diferentes, agora lustram políticas que devastaram a indústria e o que antes eram as vidas de classe média.»…
Pessoas como Fraser não são os únicos lúcidos nesta nuvem de imbecilidade da propaganda do sistema. As duras verdades devem ser gritadas, por exemplo, Trump, Bolsonaro e Ventura são bodes expiatórios, a esquerda verdadeira está a perder por falta de comparência e a direita do sistema, pouco mais é que uma troupe de vendedores servis de banha da cobra oportunistas, pois estão unicamente sob a tutela desse sistema hiperliberal progressista que se arroga o poder de definir o que é ou não democrático. Assim, quanto mais radical for uma oposição genuína, mais sucesso terá, e quando mais colaborar com este poder, mais próximo estará de ser absorvida e falhar.
Os cada vez em maior número eleitores de fenómenos como Trump não são nem racistas, nem extremistas de direita (a não ser para os bonzos da média liberal), mas as vítimas mais revoltadas de um “esquema fraudulento”, que para Fraser, podem e devem ser recrutados para o projecto anti-hiperliberal, de uma esquerda rejuvenescida, e para o autor deste texto, algo mais profundo e sério, o de uma sociedade decente contra os falsos democratas socialistas, liberais e sociais-democratas.
Essas formulações políticas degradaram-se ao ponto de serem apenas plataformas do triunfo dos poucos sobre os muitos. A realidade ocidental define-se por um pequeno grupo de vencedores cada vez mais poderosos e uma maioria crescente de perdedores. Esta realidade é o resultado do triunfo da ideia de mercado livre e de liberdade individual ilimitada. Em lugar da cidade e da família, temos o mercado e o individuo atomizado, em lugar do primado da sociedade decente, da dignidade humana e dos direitos e deveres inalienáveis, temos os maximizadores calculistas de custos e benéficos e o triunfo da subjectividade como critério de verdade.
Uma sociedade decente tem como primado o reconhecimento da dignidade da pessoa e assenta em classes médias prósperas, classes baixas com acesso a verdadeiras oportunidades, e classes altas valorizadas pela sua iniciativa e empreendedorismo. Outros aspectos determinantes são uma esfera civil forte, virtudes cívicas, instituições independentes, fortes valores éticos, independência dos média, políticos com qualidade e humanos altruístas, livres, mas responsáveis.