“Apontar problemas sem apontar caminhos”

Não poderemos manter este paraíso social se continuarmos a empurrar o seu principal guardião para o precipício, agravando ainda mais o seu diagnóstico, já de si próximo do comatoso.

Fomos presenteados recentemente com [mais] um relatório da IGAI a ressaltar, com enfoque e preocupação, insuficiências estruturais nas Forças de Segurança, designadamente recursos humanos, viaturas e deficiências estruturais, que colocam em crise, de forma bastante séria, segundo aquela edilidade, a capacidade de resposta das mesmas no panorama da Segurança Pública. Diria que não fico surpreendido tendo em conta que estamos apenas a revistar e destacar um problema que recrudesce há décadas no seio da segurança interna em Portugal, com sucessivos Governos atuantes, pelo menos na sua (re)identificação, mas pouco ousados na implementação efetiva de soluções de vanguarda que não passam apenas por renovar o remédio [que não funciona], esperando miraculosamente um desfecho diferente.

Está bem de ver que já chega de enunciar problemas que são sistemicamente conhecidos e propalados, aguardando pávida e apaticamente por panaceias divinas que venham reverter um rumo desastroso que tem castrado dignidade à profissão, e retirado, paulatinamente, capacidade de resposta às forças de segurança, detendo estas o monopólio quase exclusivo neste domínio, ainda para mais quando nos vemos confrontados com uma realidade cada vez mais exigente no plano da contestação social, das incivilidades e, sobretudo, do crime. Não poderemos manter este paraíso social se continuarmos a empurrar o seu principal guardião para o precipício, agravando ainda mais o seu diagnóstico, já de si próximo do comatoso. Não basta, como de forma populista poderia afirmar, investir mais dinheiro, o que é preciso, a par disso, é investir melhor, e isso passa por fazer o que outros, em décadas, nunca ousaram fazer, fazer diferente. Só assim daremos uma nova vida a estas duas gigantes instituições, tornando-as mais funcionais, mais dirigidas e, não menos importante, menos ruinosas. Só assim conseguiremos trazer a tão almejada vanguarda, reedificando estas duas forças de segurança para que estas possam desempenhar o seu papel, a sua função, a sua essência. E neste desiderato estão os Polícias, que asseguram o pulsar e a vitalidade deste pilar fundacional do Estado, insubstituível e fundamental à saúde do Estado.

É por isso que a resolução da questão do suplemento, que nos acompanha há mais de 6 meses, é de essencial importância ser resolvida, não só para emendar e corrigir uma desigualdade atroz entre corpos de Polícia, que não surgiu agora para os mais desatentos, mas tendo em vista, isso sim, vestir de dignidade uma classe de profissionais tão imerecidamente esquecida, tão imerecidamente secundarizada, e muitas vezes à guisa de colagens oportunistas de outros sectores que tentam aproveitar a boleia, minando e limitando a elementar priorização que deve ser dada a um sector que não tem paralelo no plano da Administração Pública, por muito que esses outros tenham as suas lutas e agruras, elas não se devem misturar ou confundir com o papel Único da PSP e GNR. É por isso que sou obrigado a concordar com o Sr. General Pinto Ramalho que referiu há uns dias, num outro Jornal, que as Forças de Segurança são diferentes das Forças Armadas, e que seria perigoso, e até perverso digo eu, esperar pelo habitual mimetismo no investimento e nas reformas. Não poderia estar mais de acordo.  

Hoje ouvia o Senhor Secretário de Segurança do Estado de São Paulo numa locução brilhante, partilhando as exigências securitárias sem igual que o Brasil, e o Estado de São Paulo em particular, enfrentam neste domínio, agravado por geograficamente ser uma das principais portas giratórias do tráfico de cocaína mundial. Ora, o problema é mundialmente conhecido, e aqui o nível de violência e desumanidade atingem níveis sem igual, demandando respostas securitárias robustas muitas vezes apodadas de medidas de policialização do Estado. Certo é que o Governo Estadual fez uma aposta, e aumentou as Polícias (militar e civil) do Estado num valor de 5 para 1 para comparação aos demais sectores da Administração, isto porque percebem (infelizmente pelos piores motivos) que a segurança é tão vital como pão e água, e que sem ela, nada, mas mesmo nada, funciona.  E foi nesse sentido que anunciou um recente programa conhecido como Muralha Paulista Policial, que só de ouvir, cria arrepios, espelhando bem a infeliz realidade que os nossos irmãos brasileiros enfrentam. Esta é apenas a amostra do que poderemos estar a alimentar caso continuemos a olhar para as nossas Forças de Segurança como temos olhado, acreditando que a paz e segurança reproduzem ganhos imutáveis que se mantém na perpetuidade. São os Polícias de Portugal que todos os dias, com o seu sacrifício, asseguram, como asseguraram até aqui, um clima de estabilidade social. Hoje é assim, amanhã não sabemos se assim será.

Acreditamos piamente que este Governo queira verdadeiramente dar alguma tranquilidade a esta classe profissional, atalhando caminho, e eliminando a desmotivação endémica que campeia estas duas instituições centenárias que já sabem como manter perto de si os seus filhos, as suas pessoas.

Mudam-se os tempos, mantêm-se as vontades, mas nada muda. Este é o momento certo para mudar.

Líder do Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia (SNOP)