Em 1973, o psiquiatra e criminólogo sueco Nils Bejerot analisou as reacções dos sequestrados durante um assalto a um banco. A paradoxal simpatia dos reféns pelo seu captor ficaria conhecia como Síndrome de Estocolmo. Seguramente, Bejerot nunca imaginou que tal expressão se banalizasse e entrasse no léxico comum, sendo aplicada a diversas situações. Naturalmente, a política é um dos campos em que é usada e, actualmente, nas eleições francesas voltou à discussão.
Perante as perspectivas favoráveis ao Rassemblement National (RN), as esquerdas coligaram-se no chamado Nouveau Front Populaire (NFP), uma união de forças diversas, por vezes até antagónicas. Do centro até à extrema-esquerda, encontramos ecologistas, socialistas, comunistas e radicais de todo o tipo, num entendimento que tem à cabeça La France Insoumise (LFI), de Jean-Luc Mélenchon, o mais provável primeiro-ministro em caso de vitória.
A maior polémica surgiu com o Nouveau Parti Anticapitaliste (NPA), um pequeno partido que, além de se autoproclamar anticapitalista, tem como grandes objectivos a luta contra a islamofobia, a autogestão e a defesa da independência dos territórios ultramarinos. Depois do ataque do Hamas a Israel, a 7 de Outubro do ano passado, o NPA não hesitou em apoiar os palestinos em todos os «meios de luta que eles e elas escolheram para resistir», acrescentando que «a esquerda deve lembrar-se da solidariedade necessária com as lutas de resistência contra a opressão e a ocupação». Apesar do incómodo óbvio para outras formações políticas, o NPA manteve-se na coligação e não é o único a ser acusado anti-semitismo, já que até a LFI já foi classificada como tal por organizações judaicas. A maior ironia é que a Frente Popular de 1936, em que o nome da actual se inspira directamente, era liderada por Léon Blum, um judeu…
Como foi possível tal união? Em nome do sacrossanto «anti-fascismo», como seria de esperar. O medo desta encarnação do mal na teologia política das esquerdas ainda funciona, mesmo tratando-se o fascismo de um fenómeno histórico que pouco tem que ver com a política actual. Ao mesmo tempo, como não podia deixar de ser, houve também algumas purgas.
Porque a Literatura ajuda à compreensão da política, recordemos o romance Submissão, de Michel Houellebecq. Publicado há quase uma década, esta ficção que antecipa uma França islamizada previa que nas eleições presidenciais de 2022 o candidato do partido Fraternidade Muçulmana, Mohammed Ben Abbes, enfrentaria Marine Le Pen, da Frente Nacional, na segunda volta e, graças ao apoio de todos os outros partidos, seria eleito. Mais do que uma profecia, o livro lançava pistas pertinentes.
A síndrome de Estocolmo política era evidente no livro, tal como é nestas eleições. Vejamos dois exemplos óbvios, o reaparecimento em cena como candidato pelo NFP do antigo Presidente da República François Hollande, um socialista, e as declarações do antigo primeiro-ministro de Jacques Chirac, Dominique de Villepin, de centro-direita, que afirmou que em caso de duelo entre o RN e o NFP escolheria o bloco das esquerdas.
No entanto, ao contrário da previsão catastrófica de Houellebecq, nestas eleições há, além do apoio popular, vários sectores que se aproximam do bloco nacional liderado pelo RN e a possibilidade de Jordan Bardella chegar a primeiro-ministro ganha cada vez mais força.
Em França há ventos de mudança. E depois da tempestade, virá a bonança?