O medo dos palestinianos e o medo dos israelitas…

O que ainda aquece o coração e alimenta a esperança é ver comunidades multiculturais unidas apelando ao fim da guerra e desta tragédia, fazendo os seus maiores esforços para que as sementes da paz possam brotar a cada dia que passa.

Estamos a aproximar-nos dos 260 dias desde o início da guerra em Israel-Palestina. Dias envoltos em sofrimento, trauma, medo, raiva, choro e desespero. Para ambos os lados. 120 civis (entre eles somente meia dúzia em serviço militar obrigatório, e várias dezenas com cidadania estrangeira e com várias crenças religiosas), em vida ou não, continuam reféns por entre os túneis subterrâneos do Hamas ou em edifícios prontos a desabar. Milhões de pessoas em quatro territórios – Israel, Gaza, Cisjordânia e Líbano – estão internamente deslocadas por via das frentes militares, e milhares delas não terão um teto para onde regressar. Os fogos consomem as bonitas florestas e os campos agrícolas frutos dos mísseis, dos drones militares e das elevadas temperaturas que se fazem sentir. Os povos indignam-se e levam para as ruas o seu descontentamento com o comportamento dos seus Governos e milícias, mas são ignorados ou detidos. O que ainda aquece o coração e alimenta a esperança é ver comunidades multiculturais unidas apelando ao fim da guerra e desta tragédia, fazendo os seus maiores esforços para que as sementes da paz possam brotar a cada dia que passa.

No princípio deste mês, tive a oportunidade de ir visitar a família e amigos em Portugal, por alguns dias, receber o seu carinho e preocupação e ouvir um pouco daquilo que lhes vai chegando aos olhos e ouvidos. Em nada surpreendido, entendo que muita gente se sinta tremendamente perturbada pela desgraça humanitária em Gaza e que queira exigir às forças armadas israelitas um muito maior cuidado para com os civis inocentes (oxalá fosse igualmente fácil exigir ao Hamas, ao Jihad Palestiniano, aos Houthis, ao Hezbollah e a todas as outras milícias na região). Neste aspeto, estou totalmente de acordo. Também consigo compreender que, para quem aqui não vive ou viveu e somente consome os principais meios de comunicação social, não entendam toda a complexidade da situação da vida no Médio Oriente e os porquês do infindável número de guerras e ações militares ao longo das últimas décadas. Ao fim e ao cabo, o que se ‘vê’ é a força militar teoricamente mais potente (Israel) a paulatinamente ‘oprimir’ ou ‘colonizar’ as ‘minorias’. Não digo que apoio esta atitude e o seu resultado, mas é preciso entender (um)a (das) origem(ns) do problema.

Há umas semanas ouvi um podcast com um palestiniano membro de uma organização israelo-palestiniana para pessoas que perderam familiares na história deste conflito, no qual ele dizia: «O meu maior medo enquanto palestiniano é o medo dos israelitas». Nesse momento, lágrimas de dor verteram pelos meus olhos. A meu ver, esta frase diz muito sobre aquilo que tem potenciado este ciclo interminável de guerras e conflitos. Sem precisar de ir muito ao início dos livros de história e às inúmeras vezes que este pedaço do planeta Terra foi repovoado através das guerras, conquistas e (des)conquistas, basta regressarmos ao Holocausto. Um genocídio de proporções históricas que teve lugar em todo o mundo mas com epicentro na Europa Central, a um povo que não tinha armamento ou força militar para se defender. Este é um trauma que segue bem vivo na memória – estamos a falar de ainda haverem pessoas vivas que estiveram nos campos de concentração – e que, particularmente no dia 7 de outubro, veio tocar numa ferida muito profunda e numa preocupação enorme sobre a sua sobrevivência. Este é o ‘medo’ a qual este palestiniano se refere. Porque deste medo advém o impulso agressivo de quem luta pela sua sobrevivência e poderá não ver a meios para atingir o seu objetivo. E, desta feita, os argumentos militares são bem superiores àqueles de há 70, 80 anos.

Enquanto seres humanos na sociedade ocidental, tentam educar-nos que a nossa capacidade racional deve ser capaz de controlar os nossos impulsos emocionais e animais. Mas a verdade é que tal é extraordinariamente complicado, principalmente quando ativa o nosso instinto de sobrevivência e o medo que sentimos. Fight-flight-freeze-fawn [luta-voo-congelar-gamo], são estas as respostas do ser humano em situações de stress e de trauma. Apesar de Israel não se encontrar numa luta pela sobrevivência como se sentiu no dia 7 de outubro, as ameaças continuam a ser muitas (e só sente isso quem aqui vive ou viveu, com todo o respeito) e o primeiro instinto é eliminar o mais possível essas ameaças para se poder viver em paz. Por isso é que há um prolongar desta guerra em várias frentes, até porque não tem havido interesse do Hamas de libertar os reféns ou do Hezbollah de nos deixar regressar às nossas casas.

Há milhares de pessoas que perderam as suas vidas (literal ou figurativamente) que são inocentes e que nunca se quiseram envolver neste conflito, de ambos os lados, vítimas deste impulso de luta e agressão que perde princípios no modo como é feito. Estas vítimas são obviamente de lamentar, mas temos de nos focar em como evitar o escalar da situação. Há milhares de pessoas no mundo inteiro que são ameaçados ou assediados com base na sua religião ou na sua aparência, pessoas essas que nada têm que ver com este conflito ou que não compactuam com as ideias dos seus grupos políticos e militares. É preciso fazer essa distinção e ver as pessoas enquanto seres humanos como nós, olhar os outros com curiosidade antes de os julgarmos.

E uma última nota, para aqueles que se incomodam com o facto de eu sempre apelar para o regressar dos reféns e de não escrever sobre os inocentes em Gaza: Quanto eu digo: «TRAGAM OS REFÉNS DE VOLTA A CASA, AGORA!», de forma nenhuma isso significa que não deseje saúde e prosperidade aos palestinianos em Gaza. Apelar a uma coisa não impede que não deseje igualmente outra. Este meu apelo não é somente para o Hamas, mas acima de tudo para o Governo de Israel que deve tomar decisões ‘difíceis’ (como não sacrificar mais vidas humanas quando é lógico que a solução militar não é solução). Portanto, quando os reféns regressarem às suas famílias e pessoas queridas – e só sabe a felicidade que se instalou no país, quem aqui esteve, quando na semana passada 4 reféns (e não vou entrar aqui nas consequências e no ‘preço’ do que é salvar uma vida humana, apenas me refiro à força deste sentimento de reunião com uma pessoa amada que acontece quase que por milagre) -, a probabilidade de que todo este pesadelo termine e possamos tentar construir um futuro melhor e mais justo para todos na região é bem maior. Para que isto fique bem claro.

#BringThemHomeNOW