Durante o primeiro ciclo a maioria das crianças está habituada a escolas pequenas, com uma ou poucas turmas por ano e uma única professora que se dedica só a elas. São as professoras de primeiro ciclo, que as receberam do pré-escolar e percorreram com os alunos os primeiros quatro anos do ensino básico e lhes ensinam do português e estudo do meio à matemática, expressão plástica e às vezes até à educação física. A relação que estes professores estabelecem com os alunos é geralmente de uma enorme proximidade e, quanto melhor for, não só maior será o gosto que os pequenos terão pela escola como a facilidade em aprender os conteúdos propostos.
Na passagem para o segundo ciclo a mudança é enorme. Nesta altura muitas crianças deixam a escola pequena e familiar a que se tinham habituado para serem deixadas num recinto, aos seus olhos, grande e frio, carregado de caras desconhecidas, de alunos enormes e professores e vigilantes desconhecidos.
Nos períodos diários de cerca de oito horas que os alunos passam na escola, assistem à azáfama dos professores que vão entrando à vez na sala – cada um com uma matéria totalmente diferente – e que saem à pressa para depois entrarem noutra sala e depois noutra, noutra e noutra. E os alunos ficam ali – ou também trocam de sala a cada tempo, dependendo da escola – por vezes sem intervalo entre cada disciplina para assimilar a matéria e ‘mudar o chip’ para a seguinte. Faz lembrar a linha de montagem de uma fábrica com máquinas diferentes – professores – em que cada uma monta uma peça – ensina uma matéria.
Em escolas com turmas que chegam a ter 30 alunos e professores sobrecarregados com 11 turmas atribuídas, temos a clara sensação de que, apesar do esforço dos docentes, ao contrário daquilo a que estas crianças de 10 anos estavam habituadas, será difícil que não passem a sentir-se ‘só mais uma’ no meio da roda-viva do formigueiro. É sobretudo por este desamparo e esta mudança tão brusca numa idade tão precoce que se fala (há mais de 20 anos) em prolongar o 1.º ciclo até ao 6.º ano.
Felizmente, algures entre este ‘salve-se quem puder’ para que muitos alunos ainda não estão preparados, o diretor de turma, hoje mais conhecido por ‘DT’, aparece como um farol, como uma referência a quem os alunos e os pais podem recorrer quando têm alguma dúvida ou precisam de algum apoio. É o diretor de turma que tem a tarefa de chegar à turma, de falar com o grupo, de o ouvir e de o guiar. Tem um lugar especial para cada aluno, que tenta conhecer e apoiar o melhor possível.
É o diretor de turma que, além de todas as turmas que acompanha, tem o papel de manter uma relação especial com aquela da qual tem a direção, de se preocupar, de se dedicar. De fazer a ligação entre os outros professores e os alunos e entre a escola e os pais, que às vezes se sentem desorientados e que ali encontram um ponto de ligação àquela máquina gigante. Que tira tempo ao seu horário de almoço, pós-laboral ou ao fim-de-semana para responder a emails e enviar informações aos encarregados de educação.
Longe de ser suficiente, nesta escola de massas em que muitas vezes os alunos são uma espécie de plateia cheia num espetáculo mais do que esgotado, os diretores de turma desempenham um papel essencial de amparo, proteção e referência. São eles que, no meio do corrupio e do cansaço, tentam olhar com outros olhos e descobrir e acompanhar cada aluno por detrás da sua capa de mero espetador.
A coluna ‘Falar baixinho’ interrompe para férias nas duas próximas edições.