FRANKFURT – Caminhei pelas vias sombrias de árvores escuras que formam o grande parque que rodeia o estádio com uma ideia muito concreta daquilo que o dia nos iria trazer. Depois da absoluta descontração de Gelsenkirshen e da bisonha e mazomba derrota contra a Geórgia, não havia mais por onde escolher. Ou Portugal voltava ao oitenta (exagero meu, desculpem, para aí sessenta e cinco) do jogo com a Turquia ou saia pela porta do cavalo deste Europeu. E, assim sendo, Roberto Martinez enfiou a sua defesa a três no bolsinho do colete e montou a equipa com o seu habitual sistema de quatro em linha, por assim dizer. Despachando uma Bélgica pré-histórica, a França já ia a caminho de Hamburgo onde ficaria à nossa espera para o jogo da próxima sexta-feira. Havia, portanto, que resolver este pequeno problema chamado Eslovénia, nada de fazer apavorar hipopótamos, cá no meu ponto de vista. Cautelas mas nada de exageros, andem lá.
Fomos alertados, nas últimas 48 horas, para o perigo que representava uma Eslovénia híper-defensiva que iria entrar em campo de forma embirrenta e assentar as suas baterias num estilo do «quer-que-se-quilhe». Nestas coisas, só vendo, apesar de saber que foi assim que os eslovenos se apuraram para esta fase com três empates na fase de grupos. A forma canhestra como Eslováquia, Itália e Bélgica foram borda fora fazia com que pudéssemos crer que o recado ficara dado. Já ninguém vai longe em grandes competições com onze tipos metidos dentro de uma baliza e pontapé para a frente ao Deus-dará. Que rolasse a bola e tiraríamos as teimas. Rolou.
Surpreendentemente, ou talvez não, percebemos que o adversário estava mais subido do que era suposto e avançava decididamente com três e quatro unidades para o nosso meio-campo. Dava jeito. Talvez encontrássemos espaços onde eles não estavam previstos. Quem sabe se a vitória de março em Lubljana terá feito com que a Eslovénianos perdesse o medo. Fiquei à espera da resposta. Foi dada no mesmo tom. A pouco e pouco encolhemos fomos tendo mais bola mas sem grande imaginação na altura de decidir o que fazer com ela. Ou seja, o mosquito do tédio voltava a morder-me os dedos e a deixar-me sem grande coisa para escrever. O problema é que as páginas não se enchem sem letras e o fecho do jornal não tem contemplações. Certo era que não estávamos tão à vontadinha como teríamos provavelmente imaginado. E se ao fim de meia-hora Diogo Costa não tivera nada que fazer, o mesmo se pode dizer de Oblak.
O ENGANO
Veio e intervalo e das duas uma: ou Martinez se deixou enganar pela ideia de ter pela frente uma Eslovénia emparedada na defesa ou Matjaz Kek mudou de ideias à ultima hora. Não estávamos a ver nenhuns laterais a entrarem por dentro, ou coisa do género, porque os nossos laterais estavam a ser impelidos para se manterem no serviço que se exige a um lateral em primeiro lugar, o de defender. A maior parte do nosso esforço atacante estava a cair sobre Leão, o mais inconformado de todos os portugueses, volta e meia ia por ali fora desembestado com a velocidade álacre de um menestrel, escreveria o nosso grande Camilo.
Que fazer então? Tenho cá as minhas ideias mas queria mesmo era ver qual a decisão do selecionador nacional. Facto seguro era que os dois êmbolos da equipa (Vitinha e Bruno Fernandes) estavam mal oleados, que Bernardo Silva parecia ausente e que Ronaldo insistia em decidir por si só a maioria dos problemas que lhe surgiam. Começou por mandar subir no terreno tanto Cancelo como Nuno Mendes. No entanto, cá em cima, na bancada de imprensa, cheirava a medo. Dos dois lados do relvado. A Eslovénia agora mais encolhida; Portugal demasiado amarrado a um jogo para os lados sem profundidade. Não, assim não vamos lá, dou por mim a pensar com os meus atilhos. Era preciso um golpe. O pássaro de O’Neill que de repente abrisse o céu.
Sujeitamo-nos aos arranque brutos de Sesko mas cada vez mais espaçados. Estamos a menos de meia-hora do fim e o ramerrão não provoca embaraços aos eslovenos. Entra Diogo Jota e sai Vitinha, o mais ativo do meio campo. Estranhamente não ganhamos mais um jogador de área porque Jota fica-se por zonas mais recuadas. Leão, entretanto perdido em combate, saiu para entrar Conceição. O prolongamento começa a erguer-se no horizonte igual a uma camada de nuvens escuras ainda por chover. As rendas de bilros parecem disfarçar fragilidades dignas de um pucarinho de Estremoz. Somos redondos, sem pontas para afiar. O nosso futebol é descolorido como se fosse pintado por um Van Gogh daltónico. Ronaldo ainda tem um remate perigoso. E o tempo, esse passa, na noite triste de Frankfurt.
Jogaremos 120 minutos. Sujeitámo-nos à lei do mais fraco. Teremos forças para tirar da alma um derradeiro esforço fundamental? Roberto Martinez está parado, de braços cruzados. Portugal vive fechado num quarto escuro e ele não encontra um postigo por onde possa fugir. É Diogo Jota que o descobre atrapalhadamente. Mas Oblak resiste à provocação de Ruben Dias e torna-se tão grande, tão grande. Ronaldo falha o penalti. Somos tão bons em desgraças!
Se estamos a contar que sejam as grandes penalidades a salvar a vida da seleção nacional neste Europeu alemão começamos mal. Há quinze minutos para serem jogados e o capitão chora como o árbitro já tivesse soprado o apito conclusivo. A Eslovénia parece ter ganho uma nova crença. Volta a defender mais à frente. Pepe também falha e é Diogo Costa que resiste ainda. Nelson Semedo e Ruben Neves vão jogar os últimos três minutos em vez de Cancelo e de Pepe. Outra vez proibidos de falhar há uma frincha que deixa entrar luz. Foi Diogo Costa que a viu antes de todos os outros. Vamos para Hamburgo no fio da navalha jogar com a França na sexta-feira. Apetece dizer, mesmo para um agnóstico convicto: valha-nos Deus…