Em boa hora o Nascer do SOL publicou o texto TGV bitola ibérica não é boa solução porque se trata de uma questão estratégica da maior importância e que tem sido debatida sob a influência nefasta dos dirigentes da empresa pública IP, que defendiam a bitola europeia (UIC) no tempo dos governos de José Sócrates e aderiram, sem explicação, à bitola ibérica com os governos de António Costa.
De facto, a bitola ibérica não é uma boa solução, que tornaria Portugal numa ilha ferroviária, como o único país da Europa com uma bitola diferente de todos os outros, incluindo a Espanha, na medida em que este país iniciou há trinta anos a mudança da bitola e já tem hoje um dos mais modernos sistemas ferroviários europeus em bitola UIC, nomeadamente nas ligações a França, que são as que lhes permitem viajar por toda a Europa. Foi aliás essa a decisão do encontro luso-espanhol da Figueira da Foz entre Aznar e Durão Barroso, que decidiram fazer as ligações entre os dois países em bitola europeia.
Recordo que esta decisão se manteve nos governos socialistas posteriores, até aos governos de António Costa, que mudou de ideias com o argumento absurdo da bitola ibérica proteger as empresas ferroviárias portuguesas da concorrência internacional, pelo facto dos comboios de outros países não poderem entrar em Portugal. O outro argumento é do ex-ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos, de privilegiar o investimento nas ligações internas entre as capitais de distrito. Argumento que desvaloriza a importância do comércio externo português, as vantagens ambientais e económicas da substituição do transporte de passageiros por avião entre Lisboa e o Porto e de Lisboa a Madrid e de mercadorias para toda a Europa, em substituição do transporte rodoviário mais caro e obviamente mais poluente.
Não menos importante, é o facto de a União Europeia apoiar a fundo perdido, até 70% dos custos, os investimentos em bitola europeia, o que não acontece com a bitola ibérica e de isso ter de ser feito com prazos apertados até 2030 e 2040. O que torna absurda a decisão do governo anterior de optar por três parcerias público/privadas para pagar a nova linha de Lisboa ao Porto e de para o primeiro troço já haver um pedido de empréstimo de três mil Milhões de Euros ao BEI – Banco Europeu de Investimento. Ou seja, o que pode justificar o aumento da já enorme dívida pública portuguesa, se existe financiamento da UE a fundo perdido para grande parte do custo?
No texto referido é evocada a opinião da professora Rosário Macário que afirma: «Já há formas tecnológicas de passar da bitola ibérica para bitola europeia sem qualquer problema.» O que a ser verdade é para passageiros, ainda que com problemas, mas não é verdade para as mercadorias. Mas a ser essa uma opção real, então que seja utilizada para ligar a nova rede em bitola europeia, que nos permite viajar por toda a Europa, às linhas centenárias de bitola ibérica existentes, em vez de fazer os novos investimentos em bitola ibérica para mudar para a bitola europeia mais tarde, como está previsto e duplicando os custos.
A ideia de manter a bitola ibérica porque essa será a vontade da Espanha é surreal e por duas razões: (1) porque isso seria contrário às directivas europeias e teria de ser resolvido em Bruxelas; (2) a ser verdade colocaria a questão da Espanha estar a tentar limitar o comércio externo português e a defender os interesses dos seus centros logísticos e dos nossos concorrentes espanhóis no comércio europeu.
Nota final: Recordo que o futuro do transporte de mercadorias na Europa será ferroviário, através de camiões colocados em plataformas ferroviárias, o que permite a ligação directa, porta a porta, entre as fábricas fornecedoras e os seus clientes.