HAMBURGO – França, mais uma vez a França, tantas vezes a França no nosso caminho em direcção à glória que, na maior parte das esquinas, se fez tristeza. Duas derrotas em duas meias-finais de Campeonatos da Europa; uma derrota numa meia-final de um Campeonato do Mundo; uma derrota e um empate na Liga das nações; vitória única na final do Europeu em 2016, em Saint-Denis, com o golo de Éder no prolongamento. Ah! O que tivemos de sofer para receber o prémio de um título que já tínhamos justificado. E agora? Que Portugal-França será este, o de hoje, no Volksparkstadiom de Hamburgo, pelas oito horas da noite nesse fio de areia ao comprido que é o país que temos e ao qual dedicamos um amor desinteressado e poucas vezes correspondido? «Navigare necesse; vivere non est necesse», disse um dia Pompeu, o general romano que teve a coragem de desafiar César. «Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande,ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo», escreveu Fernando Pessoa, com licença de Camões, ele só os quatro maiores poetas da língua portuguesa.
Os adeptos da selecção nacional são de exageros grandes como a Sibéria. Em todos os jogos decisivos frente aos franceses só por uma vez não quisemos jogar de igual para igual e ganhámos. De todas as outras, apesar da arte dos nossos jogadores, o cinismo prático francês levou a melhor. E, de certa forma, é como se nos culpássemos. A vitória na final do Campeonato da Europa de 2016 ficará para sempre na aldeia branca da nossa memória mas não temos propriamente orgulho naquilo que aconteceu nos 120 minutos do jogo de Paris. E Fernado Santos, que a partir daí continuou a jogar a mesma partida fosse contra quem fosse, cansou-nos com a sua teimosia. Querámos mais. Não queríamos apenas viver, queríamos navegar. Exigimos que a selecção nacional se exibisse ao nível do que fazia em 2000 ou 2004 ou 2006. Mas não podia nem pode. Os protagonistas não são os mesmos. Ao contrário do que se apregoa aos sete ventos esta está muito longe de ser a melhor geração do futebol português. A realidaade está aí e entra pelos olhos dentro como um raio de luz na água fria. Demasiada mediania, o envelhecimento notório de Ronaldo e Pepe, falta de explosão, um estilo redondinho de passe e repasse à moda dos anos-80, um treinador preso nos labirintos de si próprio com opções duvidosas.
Hoje, em Hamburgo
Estamos no norte na Alemanha, na velha cidade hanseática de Hamburgo, à espera que sejam nove horas de Berlim e comece mais um Portugal-França. Não há como não achar que a França é superior e que só um golpe de asa poderá conduzir a selecção nacional até à meia-final de Munique contra o vencedor do Alemanha-Espanha. Um golpe de asa que ainda não aconteceu neste Europeu em que temos sido excessivamente conservadores pagando as custas disso. Saímos do susto de Frankfurt, onde estivemos a segundos de uma eliminação dolorosa naquele momento em que Pepe errou para que Diogo Costa fosse enorme. E, convenhamos, era apenas a Eslovénia. Nem eu, que não sou propriamente um optimista empedernido, alguma vez acreditei que não ganharíamos aos eslovenos. E, na verdade, não ganhámos. Foi um empate-triunfo à custa de grandes penalidades. Fez-se justiça porque somos melhores, inequivocamente melhores do que a Eslovénia, mas não conseguimos demonstrá-lo cabalmente. Que nos falta? Rasgo? Coragem? Sem dúvida. Ser superiores, aceitar essa superioridade e jogar em conformidade com ela. E não o fizemos. Apenas contra a Turquia, num encontro com a especificidade de tudo se ter tornado fácil de um momento para o outro. Vivemos, ou melhor, sobrevivemos neste Euro sem nunca navegar, nós, ainda por cima nós, que fomos donos dos oceanos e dos continentes.
Hoje, pela primeira vez na competição, vamos defrontar um opositor que é melhor e mais forte. Dir-me-ão que, então, é hora para viver e não para navegar. Até certo ponto terão razão. Mas, como aceitar de bom grado uma saída espúria de mais um Europeu, mais uma frustração a juntar às anteriores? Que fazer com mais uma derrota se esta não for sublinhada pela revolta, se não for marcada com o sangue de uma equipa capaz de sair de cena e deixar saudades? Não sei qual a estratégia de Roberto Martinez para contrariar o natural domínio dos franceses, mas também ele vai ter de ir ao fundo de si e encontrar a coragem necessária para que não nos tornemos vítimas da nossa passividade. Estamos perante uma França que tem sido lenta, um tudo nada preguiçosa, mas que ataca em ondas consecutivas. Estamos perante jogadores como Grizmann e Mbappé que ainda não se mostraram verdadeiramente neste Europeu no qual são, ao contrário de nós, desculpem o mau jeito, uns dos claramente favoritos à vitória final. Saberemos explorar as suas fragilidades, que também as têm? Sexta-feira à noite. Um Portugal inteiro espera por respostas. Respostas às dúvidas que não têm parado de se acumular desde que o Europeu começou.