Sol, música, brindes, tendas, convívios, bebedeiras, poeira. A altura dos festivais de verão é a preferida de muita gente, desde miúdos a graúdos. Há quem passe o ano inteiro à espera de saber quais os espetáculos a que poderá assistir. Há quem chegue mais cedo com a mochila às costas para garantir o melhor lugar possível nos acampamentos, quem prefira comprar o bilhete para apenas uma noite. Seja qual for o cenário, todos eles têm uma coisa em comum: o gosto pela música. Mas a verdade é que os festivais têm mudado muito ao longo dos anos.
O 1º Sudoeste
Isabel Silva tem 46 anos e ainda hoje recorda a primeira experiência que viveu num festival. Tinha 20 quando surgiu a oportunidade de ir à primeira edição do Sudoeste na Herdade da Casa Branca, na Zambujeira do Mar. Nesse ano, atuavam nomes sonantes como Marilyn Manson, Blur e Suede. O bilhete custava seis mil escudos, o equivalente a 30 euros, e o campismo vinha incluído. “Estávamos em 1997. É engraçado ‘regressar’ a esses lugares”, afirma ao i. Foi convidada por duas amigas e juntas apanharam o autocarro até à Zambujeira do Mar. “Depois apanhámos boleia numa Renault 4L até ao recinto”, lembra com um sorriso no rosto. Iam apenas passar uma noite. “Quando lá chegámos o espaço já estava sobrelotado. Tivemos muita dificuldade em encontrar um cantinho para o nosso acampamento. Depois de muita procura, lá conseguimos montar a tenda”, continua.
Assim que acabaram de se instalar, seguiram para os concertos. “Confesso que não foi fácil manter uma visão limpa durante o tempo das atuações, dado que na altura o recinto ainda não era relvado e, com o público a saltar, levantava-se uma nuvem de pó”, conta Isabel. “Lembro-me bem de assistir aos concertos apenas com os olhos de fora. Tapava a cara com a camisola. No final, senti-me um pouco ‘pedrada’. Porque, além do pó, havia muita gente a fumar erva à nossa volta”, admitiu.
Segundo Luís Montez, diretor da promotora Música no Coração e responsável pelo festival, na primeira edição tinha 300 casas de banho, 50 chuveiros e três cabines telefónicas.
Para Isabel, o pior foram mesmo as casas de banho, que ainda não possuíam autoclismos. A jovem lembra que o cheiro era nauseabundo e via-se os dejetos das outras pessoas. Além disso, não encontrou os chuveiros e, por isso, a única forma de tirar o pó do corpo foi apanhar boleia até à cidade.
“Mas adorava o momento dos concertos e vibrar com todo o público. É uma sensação incrível que arrepia. Nesse momento esquecem-se todas as outras situações menos agradáveis”, afirma. A artista que mais gostou de ver foi Alanis Morissette. Com o passar do tempo, foi perdendo a paciência para estes eventos. “Só enfrentarei um mar de gente se for um dos meus artistas favoritos”, garante. Além disso, considera que os preços estão altíssimos.
Experiências únicas
Tal como para Isabel Silva, o primeiro festival de Tomás Pereira, atualmente com 32 anos, foi o Sudoeste. Tinha apenas 16 quando foi pela primeira vez. E as condições já eram diferentes. “Em jovem, era o meu festival favorito. Era próximo de casa e o pessoal da zona queria todo ir. Tinha, na altura, cartazes muito diversificados e apelativos”, conta ao i. Seguiram-se vários anos, onde acampou sempre com um grande grupo de amigos. “Íamos alguns dias antes do festival começar e montávamos um grande acampamento para ficarmos até ao final. Por ser perto, tínhamos o auxílio dos nossos pais para nos ajudar a transportar todo o material que precisávamos para a grande construção/montagem”, revela. O seu pai chegava mesmo a entrar no recinto do campismo com o carro para ajudar a montar as lonas que criavam as sombras. O que mais gostava era de sentir, naqueles dias, “a sensação libertadora da falta de compromissos”, associado a “uma diversidade de estímulos felizes”. O que menos o atraía era a confusão, as dificuldades de logística e organização dos espaços, “que resultavam numa grande demora em qualquer tipo de atividade ou necessidade que tinham”. Além disso, a segurança não era a melhor. Tomás Pereira lembra uma madrugada em que acordou com um barulho na zona comum do “seu” mega acampamento. “Foi num ano em que estavam a acontecer muitos assaltos. Decidi abrir a tenda e ver o que se passava. Estava um indivíduo debruçado a remexer nas nossas coisas. Ainda dentro da tenda, gritei-lhe: ‘HEY!’. O rapaz, muito alcoolizado, com uns ténis nossos na mão esquerda e uma caixa de fiambre na mão direita, caiu redondo para trás, partindo a mesa. Ao chamar os seguranças, foi-lhe cortada a pulseira e a polícia encaminhou-o para a esquadra”, revela.
Com o passar do tempo e as mudanças no estilo de música do festival, foi perdendo o interesse. Além disso, tem menos disponibilidade para frequentar festivais “como se de umas férias se tratassem”. Se for um cartaz que o agrada, sabe que passará bons momentos com amigos e família seja qual for o festival, mas não nos mesmos moldes. “O conforto e descanso começam a ser-me indispensáveis e num acampamento de festival é difícil”, admite. Atualmente, o festival a que vai com mais frequência é o Festival Músicas do Mundo (FMM), por ter crescido com ele, já que mora perto de Sines, local onde este se realiza. “É um festival que se pode usufruir sem grandes custos, com uma grande diversidade de propostas musicais, sempre incríveis. Nem é necessário olhar para o cartaz, só confiar e partir à descoberta. É um momento em que Sines se torna sinónimo de liberdade e um espaço de partilha e união entre as pessoas”, garante. Quem não tem bilhete para entrar no Castelo – onde se realizam alguns dos concertos – pode vê-los através dos ecrãs espalhados na cidade. Além disso, em 2023 foi ao Boom Festival, como artista. É ator e realizou espetáculos no espaço. No entanto, ainda conseguiu usufruir. “É um espaço difícil de descrever, onde todos se tornam um. Só quem experiencia o pode perceber. Pelos princípios, pelas convicções, pela consciência social, cívica e ambiental. Pela transparência. Pela diversão e diversidade artística que oferece, desde a música ao teatro, passando pela pintura, escultura, workshops, performances”, descreve. “O Boom é mais do que um evento, é uma experiência de vida pela qual todos deveríamos passar”, acredita. Numa das noites, a sua namorada – que aproveitou o facto de Tomás ir trabalhar para o acompanhar – perdeu o telemóvel. “Ao fim de umas horas a procurá-lo, desistimos. Afinal de contas estávamos num festival com quase 40 mil pessoas. Ao voltar para a tenda contámos a um rapaz da organização o sucedido. Ele, positivo e cheio de energia, agarrou na mão dela e disse: ‘Não te preocupes, vais encontrá-lo, não desperdicem a vossa noite, vão dançar!”. Claro que não dançámos mais… Na manhã seguinte, enviaram-me uma mensagem dos perdidos e achados a informar que alguém tinha encontrado o telemóvel e entregue no sítio devido. É só um objeto perdido, mas para mim significou muito. Mostra bem como é um lugar diferente”, lembra.
Amante de música
Tiago Nunes tem 24 anos, mas já tem uma grande experiência em festivais. Uma das suas paixões é a música. Começou a frequentá-los tinha apenas 14 anos. O jovem já foi ao Sudoeste, ao RFM Somni – na Figueira da Foz -, ao Festival Músicas do Mundo, ao BPM – em Portimão -, ao NOS Alive – no Passeio Marítimo de Algés -, ao Rock in Rio – no Parque da Bela Vista -, e mais recentemente ao Festival Jardins do Marquês – em Oeiras. “Gosto muito de música e, sobretudo, da união que cria entre as pessoas. Ouço um pouco de tudo, porque isso também nos enriquece”, afirma. Já acampou, já dormiu no carro, já alugou uma casa com amigos e já pernoitou na praia. “Tento sempre guardar uns dias para ir a um festival de verão. No entanto, isso está a ficar cada vez mais difícil. As coisas estão cada vez mais caras”, lamenta. “Parei de estudar cedo e fui trabalhar. Não me posso queixar. Apesar de ser novo, já me diverti muito! Mas entristece-me sentir que é cada vez mais complicado ir e poder desfrutar de tudo. Quando estava em casa da minha mãe conseguia juntar algum, mas agora, com a minha casa e contas para pagar, fica um bocado difícil poupar”, admite Tiago Nunes. Por isso, vai aproveitando os eventos gratuitos que acontecem por Lisboa.