As eleições francesas e britânicas, ou a formação de um Governo nos Países Baixos, para dar apenas exemplos actuais importantes, trazem ao discurso público termos como «extrema-direita» ou «populismo». Mais do que descrições, tornam-se insultos prontos a usar por aqueles que se consideram os donos da democracia e se insurgem contra o povo «que vota mal» e apelam à «barragem de partidos», se necessário através de protestos violentos na rua ou de resistência nas instituições. Estranha ideia de democracia e de respeito pela expressão da vontade popular nas urnas…
Porque o sistema binário esquerda/direita cada vez menos ajuda à compreensão dos desafios e alterações políticas que vivemos, há outra dicotomia que nos permite perceber o que está em causa: a oposição entre patriotas e globalistas.
Naturalmente, é uma generalização que importa declinar em todos os seus matizes, mas é útil a uma análise séria das manifestações que representam a subida dos partidos ditos «populistas» um pouco por toda a Europa.
Um exemplo de um fenómeno político onde se manifestou essa divisão, quebrando as fronteiras entre esquerdas e direitas, foi o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, conhecido como Brexit, referendado em 2016 e concretizado em 2020.
Além das superficialidades que abundaram à época, na tentativa vã de explicação de uma alteração com motivos profundos, houve duas obras que se destacaram pela sua pertinência e clarividência.
Em Populismo: A revolta contra a Democracia Liberal, publicado em finais de 2018 e cuja tradução portuguesa sairia no ano seguinte, Roger Eatwell e Matthew Goodwin analisavam objectivamente, com dados, esta transformação política, antevendo o crescimento da sua importância e influência.
A imigração em massa para a Europa e o Inverno demográfico que assola o Velho Continente surgiram como as principais ameaças à identidade e o declínio antropológico dos europeus constitui a maior debilidade para uma reacção necessária.
Como uma vigia num posto avançado, o chamado movimento identitário alertou para a catástrofe e esteve na linha da frente. Há no identitarismo a defesa intransigente da Europa e dos europeus, numa perspectiva de futuro, mas ancorada na defesa do grupo, no sentimento de pertença e de perpetuação da linhagem.
Como qualquer fenómeno político-cultural, o movimento identitário é complexo e até heterogéneo, mas leva-nos aos motivos fundamentais do que hoje está em realmente causa.
É por isso de saudar a tradução de um trabalho notável que analisa, de uma forma erudita e acessível, este fenómeno. Saído originalmente em 2018, antes até do livro de Eatwell e Goodwin, Os Identitários: o movimento contra o globalismo e o Islão na Europa, foi publicado numa versão actualizada este ano pela Edições 70. O autor, José Pedro Zúquete, faz a genealogia do identitarismo, dos seus alicerces intelectuais, à sua prática política e de combate cultural, caracterizados por um activismo inovador, sistematizando as suas principais oposições e propostas. Num exaustivo trabalho científico de confrontação de fontes, Zúquete fala com os actores deste movimento, recorre às suas publicações e acções, para descrever minuciosamente todos os aspectos e diferenças de um fenómeno crescente que tem influenciado directamente a política actual.
Por fim, o autor faz um exercício de prospectiva, baseado no ponto de vista identitário. Que nos guarda o futuro? A guerra? Um renascimento?
Neste combate pelo futuro, o papel de cada um é essencial. Como nos lembra Miguel Torga, que Zúquete cita no início do livro: «Se o preço da liberdade é pesado, o da identidade dobra. A primeira pode-nos ser outorgada até por decreto; a outra é sempre da nossa inteira responsabilidade.»