A Nova Frente Popular conquistou a maioria de lugares na Assembleia Nacional francesa e tornou-se a primeira força política, numas eleições legislativas em que nenhum partido tem os números suficientes para formar uma maioria de governo. Um resultado – fruto da participação eleitoral mais elevada numa geração – que obriga a uma aproximação ao centro, semelhante à encetada pelo Partido Trabalhista do Reino Unido para chegar ao poder. Mas o facto de essa centragem britânica ter sido pré-eleitoral fez a diferença e permitiu já o início de governação, em França a negociação é pós-eleitoral e com vários cenários. Todos eles incertos.
A União Nacional, também conhecida por RN, tinha ganho na primeira volta, mas, no domingo, ficou muito aquém das expetativas – relegado para o terceiro lugar. Só que a ameaça de poder do partido de Marine Le Pen não impulsionou o apoio aos centristas de Emmanuel Macron, como aconteceu em 2022 e 2017. Os eleitores encontraram uma forma de lhe negar um governo e, ao mesmo tempo, punir o Presidente, profundamente impopular. O partido de Macron perdeu lugares apesar de ter ficado em segundo lugar, e o primeiro-ministro Gabriel Attal demitiu-se. No entanto, Macron pediu que se mantivesse no cargo, por enquanto, «para garantir a estabilidade do país», enquanto o líder do partido França Insubmissa – a força dominante da NFP –, exigiu ao Presidente que nomeie um primeiro-ministro de esquerda. No entanto, fica tudo em aberto, já que Macron disse que tomará as «decisões necessárias quando a nova Assembleia Nacional estiver estruturada».
A NFP é uma coligação tática profundamente instável, com rivalidades amargas entre os líderes dos partidos que as constituem. Uma possibilidade é que Macron tente formar uma coligação de centristas e esquerdistas para governar em pleno.
Teria de fazer grandes compromissos políticos para o manter unido, mas parece ser uma hipótese, uma vez que a meio da semana escreveu uma carta, publicada no jornal Le Parisien, na qual pede «diálogo sincero e legal» às forças políticas «que se reconhecem nas instituições republicanas, no Estado de Direito, no parlamentarismo, na orientação europeia e na defesa da independência francesa», com o objetivo de «construir uma maioria sólida, necessariamente plural».
Construção de compromissos
O Presidente reconhece que a proposta exige «deixar algum tempo às forças políticas para construírem esses compromissos» antes de indigitar um novo primeiro-ministro, lembra que «ninguém ganhou» e vê no veredito «um pedido claro de mudança e partilha do poder». Segundo uma sondagem divulgada pelo Le Fígaro, um entendimento entre a esquerda (excluindo a França Insubmissa), os macronistas e a direita tradicional teria a preferência de 39% dos franceses para sair da crise política. Mas 34% preferem uma aliança entre os adeptos do Presidente e a direita democrática, 30% uma coligação só de esquerda que inclua a França Insubmissa . Já 25% preferem toda a esquerda aliada ao centro presidencial, sem direita, e 24% querem toda a esquerda, centro e direita, deixando apenas de fora o RN.
Acresce que metade dos inquiridos defende que, caso a NFP apresente um candidato a primeiro-ministro acordado entre as suas diversas formações, Macron deve indigitá-lo.
«A França enfrenta agora um período de profunda confusão política que poderá ser explorado por Le Pen», afirma um analista do Eurasia Group. «As outras forças políticas em conflito de esquerda, direita e centro terão dificuldade em chegar a acordo sobre qualquer coisa nos próximos meses para atenuar a raiva ou as ansiedades do eleitorado francês sobre a imigração, o custo de vida, os serviços públicos ou a explosão do défice orçamental».
Centragem no Reino Unido
Maior estabilidade existe do outro lado do Canal da Mancha depois da vitória do Partido Trabalhista nas eleições gerais e a tomada de posse de Keir Stramer como novo primeiro-ministro do Reino Unido.
Para conseguir chegar ao poder, o líder trabalhista, que assumiu o cargo em 2020, tem vindo a recentrar o partido e abandonado políticas onerosas para o erário público, como por exemplo a nacionalização das empresas de saneamento e energia. No entanto, mantém a promessa de colocar sob controlo público quase todas as companhias ferroviárias de transporte de passageiros nos próximos cinco anos, sob a égide de uma empresa nova, a Great British Railways.
Na educação, abandonou o plano para acabar com as propinas afirmando que o Governo não teria como financiar, mas, ao mesmo tempo, diz que irá cobrar impostos sobre as propinas das escolas privadas.
Starmer promete investir 8 mil milhões de libras em energia sustentável através de uma nova empresa – a GB Energy – ao mesmo tempo que diz que irá remover, quase completamente, os combustíveis fósseis da matriz de produção de eletricidade na Grã-Bretanha até 2030. Muitos especialistas consideram que é uma impossibilidade.
Após o ataque do Hamas a Israel em outubro de 2023, Starmer apoiou a operação militar israelita em Gaza e o direito de Israel a defender-se, o que originou uma rebelião no partido. Também apoiou o bombardeamento britânico a bases houthi no Iémen. Em 2019, defendeu um segundo referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia (UE), mas agora considera que o retrocesso é impossível, defendendo novos acordos de cooperação com a UE.
Keir Starmer nomeou 25 ministros, 11 dos quais são mulheres, um recorde para o Reino Unido. Uma outra novidade é que a maioria dos novos governantes são oriundos do sistema de educação pública, ao contrário do gabinete, maioritariamente com ensino privado, do ex-primeiro-ministro conservador Rishi Sunak.
Sobre a primeira reunião do seu Governo, depois de ter sido investido no cargo pelo Rei Carlos III, Starmer admitiu ter «muito trabalho pela frente» tendo destacado vários temas, tais como o Serviço Nacional de Saúde e a segurança das fronteiras britânicas – uma referência a um problema global mais vasto em toda a Europa e nos EUA de absorção do afluxo de migrantes que fogem da guerra e da pobreza, bem como da seca, ondas de calor e inundações atribuídas às alterações climáticas.
A sua primeira deslocação foi às quatro nações do Reino Unido – Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte – para uma «reinicialização imediata» da relação entre estes e Westminster. Depois, foi à cimeira da NATO em Washigton, na qual prometeu manter o apoio da Grã-Bretanha à Ucrânia e aumentar as despesas militares do Reino Unido para 2,5% do PIB.