O papel dos intelectuais na publicidade. De Pessoa a Orwell

Inúmeras personalidades reconhecidas, tanto em Portugal como no resto do mundo, escreveram slogans publicitários. Por exemplo, Fernando Pessoa redigiu o famoso “Primeiro estranha-se, depois entranha-se” para a Coca-Cola.

Ao longo da História, têm contribuído com criatividade, profundidade e inovação para as campanhas publicitárias. Intelectuais, incluindo escritores e artistas, trouxeram um toque de sofisticação e engenho à publicidade, muitas das vezes elevando a qualidade e o impacto das mensagens publicitárias. O exemplo mais paradigmático em Portugal é o de Fernando Pessoa. Em 1927, aquele que é considerado um dos maiores poetas portugueses, escreveu o slogan “Primeiro estranha-se, depois entranha-se” para a Coca-Cola em Portugal no âmbito do exercício de funções na agência ‘Hora’. 

No entanto, a Coca-Cola não conseguiu capitalizar totalmente essa inspiração do poeta. Tal ocorreu porque a bebida foi rapidamente proibida no país, sendo considerada potencialmente viciante. O médico Ricardo Jorge, diretor de Saúde de Lisboa, ordenou a apreensão de todas as garrafas de Coca-Cola disponíveis no mercado. Para ele, o problema estava no nome “Coca”, que remetia à planta de onde se extrai a cocaína.

A proibição da Coca-Cola baseava-se em dois argumentos contraditórios: primeiro, alegava-se que a bebida poderia intoxicar os consumidores. Por outro lado, se o produto não continha cocaína, como afirmavam os vendedores, então o seu nome constituía publicidade enganosa. Para as autoridades, esses motivos eram suficientes para impedir a comercialização do refrigerante. Apesar da proibição, o slogan de Fernando Pessoa permaneceu na memória coletiva, sendo reutilizado em diversas situações. Pessoa antecipou o sucesso da Coca-Cola em Portugal, que só começou a ser vendida em garrafas de vidro de 20 cl a partir de 4 de julho de 1977.

Em território nacional, outras personalidades do meio literário ficaram conhecidas por estarem ligadas ao mundo da publicidade. O poeta surrealista Alexandre O’Neill criou slogans icónicos como “Uma conta em cada canto” e colaborou com outras marcas importantes, utilizando o seu talento literário para criar mensagens impactantes. Em Alexandre O’Neill – Uma Biografia Literária (Dom Quixote, 2005), Maria Antónia Oliveira apresenta uma coleção de dez slogans memoráveis, atribuídos ao famoso poeta, uns aceites e outros rejeitados. “A Revista Que Não é Feita À Custa das Mulheres Mas Que as Leva Muito Em Conta” foi um dos que escreveu para a revista Ele, dirigida por Rui Lemos. Numa entrevista ao Come & Cala em 25 de fevereiro de 1982, o poeta revelou que criou o slogan “A Segurança Volta Sempre” para uma campanha interna de segurança destinada aos motoristas da Rodoviária Nacional. Para a multinacional de origem alemã BOSCH, escreveu “BOSCH é Bom”.

Já “Com Colchões Lusospuma Você Dá Duas Que Parecem Uma” nunca foi utilizado. O famoso “Diz-me Com Quem Andas, Dir-te-ei Quem És” foi criado para uma campanha das canetas Parker em 1965, sendo que este slogan vinha acompanhado de textos mais longos, escritos por O’Neill para diferentes públicos, incluindo jovens e mulheres. “Gascilda, o Gás da Cidade” foi fruto da alteração – após rejeição do cliente – de “Gascilda na Cozinha é Um Descanso”.

“Há Mar e Mar, Há Ir e Voltar” foi criado para o Instituto de Socorros a Náufragos para uma campanha de prevenção de afogamentos nas praias portuguesas. “Mobil Serviço, Dê Por Ele Sem Dar Por Isso” não foi aprovado pelo anunciante. E “Vá de Metro, Satanás”, segundo O’Neill, em entrevista ao Jornal de Letras de 6 de julho de 1982, foi proposto para o Metropolitano de Lisboa, mas rejeitado.

Também não nos podemos esquecer de José Carlos Ary dos Santos, que exerceu funções enquanto diretor criativo da agência de publicidade ‘Espiral’, onde escreveu textos publicitários para várias campanhas de marcas ainda conhecidas atualmente, como Knorr, Johnson & Johnson, TAP, Unicer, General Motors e Banco Pinto & Souto Mayor. Conhecido pela sua irreverência, sabe-se que, durante os briefings, frequentemente não prestava atenção ao cliente, preferindo fazer caricaturas e passar bilhetinhos sem relação com o assunto em discussão. Mas entregava sempre os slogans no final, como “Eles merecem o melhor!” para os pudins Maizena ou “Todos os dias o gosto é seu e a sopa… A sopa é Knorr” para a marca alemã.

Exemplos internacionais 

Lá fora, os intelectuais deram igualmente cartas na publicidade. Por exemplo, T.S. Eliot, além de ser um reconhecido poeta, trabalhou na editora ‘Faber and Faber’, onde contribuiu para campanhas publicitárias de livros e publicações. A sua influência ajudou a elevar o padrão cultural das campanhas. Pode ser mais conhecido por poemas como The Waste Land ou The Love Song of J. Alfred Prufrock, mas o seu trabalho na publicidade, embora menos celebrado, demonstra a versatilidade do seu talento literário. 

F. Scott Fitzgerald, autor d’O Grande Gatsby, escreveu textos publicitários para o The Musicians’ Club em Nova Iorque, promovendo a cena musical da cidade com uma abordagem literária sofisticada. Durante a Segunda Guerra Mundial, George Orwell trabalhou como publicitário para o governo britânico, criando propaganda e material informativo que combinavam clareza e impacto social. Por exemplo, “Your Courage, Your Cheerfulness, Your Resolution Will Bring Us Victory” – que visava inspirar confiança e determinação entre os cidadãos britânicos, reforçando a ideia de que a sua atitude positiva e resiliência eram cruciais para a vitória na guerra – ou “Freedom Is in Peril. Defend It with All Your Might”, um apelo direto à população para que defendesse a liberdade contra as ameaças externas, incentivando a vigilância e a participação ativa no esforço de guerra.

Curiosamente, a publicidade em 1984 de George Orwell desempenha um papel crucial na manipulação da sociedade e na manutenção do poder do Partido. A obra descreve uma sociedade distópica onde a propaganda é usada de maneira extensa para controlar a população e distorcer a realidade. A título de exemplo, “Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força” – slogan paradoxal que constitui um exemplo clássico de propaganda orwelliana, tendo sido projetado para confundir e controlar os pensamentos dos cidadãos, promovendo uma aceitação cega das contradições do Partido – ou “Big Brother is Watching You”, slogan constante e onipresente que reforça a ideia de vigilância total. A imagem do Big Brother, ou Grande Irmão, é usada para incutir medo e lealdade na população, fazendo com que as pessoas se comportem de acordo com as regras do Partido mesmo quando não estão a ser observadas. Este slogan foi tão marcante que serviu de inspiração para a criação do nome do reality show Big Brother.

Falemos de outros casos. Antes de alcançar o estrelato como autor, Salman Rushdie trabalhou como redator publicitário e criou slogans notáveis, como “Naughty. But Nice” para a British Dairy Council. Também redigiu, para a American Express, “That’ll do nicely”. Tanto que, em Private Dancer, Tina Turner canta “American Express will do nicely, thank you”. Don DeLillo, autor de Ruído Branco também trabalhou na Ogilvy & Mather, onde escreveu textos publicitários antes de se tornar um romancista reconhecido. A sua experiência na publicidade influenciou o seu estilo literário, combinando observações sociais agudas com uma compreensão profunda da cultura de consumo. Fay Weldon, autora de obras como The Life and Loves of a She-Devil, trabalhou como redatora publicitária e criou slogans memoráveis como “Go to work on an egg” para a Egg Marketing Board no Reino Unido.