A República bloqueada

A V República francesa chegou a um impasse e o parlamento não tem a maioria que garante um Governo estável, mas a verdadeira crise é de legitimidade e de representação.

Quando Macron dissolveu a Assembleia Nacional, após os resultados das eleições europeias, afirmou que ia devolver a palavra ao povo. A primeira volta das legislativas antecipadas confirmaria a vitória do Rassemblement National (RN), mas na segunda volta a chamada «barragem», o entendimento entre o bloco dos centristas e o bloco das esquerdas, com um acordo estratégico de desistências de candidaturas, levou a um parlamento tripartido e sem uma maioria para formar Governo.

Mesmo sendo o partido mais votado, o RN ficou aquém dos seus objectivos, e a esquerda mostrou que, ao contrário do que muitos garantiam, a técnica da «diabolização» ainda funciona. Contra as sondagens e as previsões dos analistas, o Nouveau Front Populaire (NFP) conseguiu a «união das esquerdas» e chegou ao primeiro lugar.

Apesar de tudo estar dentro da legalidade, há uma notória crise de legitimidade e de representação. Isto é, uma crise de um sistema que, além de não traduzir as aspirações da maioria dos franceses, age contra estas. O exemplo mais flagrante é o da imigração. Embora em França haja uma clara maioria da população que quer parar a imigração em massa para o país, o regime continua a apresentá-la como uma solução económica, além de um dever moral, e a impô-la. É por isso que grande parte dos franceses olha para a nova composição do parlamento com estranheza e sem qualquer esperança na mudança desejada.

No dia da escolha do novo Presidente da Assembleia Nacional, bem seria necessário um Francis Urquhart, o Chief Whip do Partido Conservador, magnificamente interpretado por Ian Richardson, na brilhante série britânica House of Cards, de 1990. Isto porque, na ausência de um entendimento, foram necessárias três voltas para lograr a eleição.

No entanto, ao contrário do Parlamento do Reino Unido, onde os adversários se atacam educadamente, neste processo de votação presencial houve lugar a uma polémica. Durante o desfile em que as centenas de deputados depositaram os boletins numa urna no centro do hemiciclo, os das esquerdas recusaram-se a apertar a mão dos «benjamins», os deputados mais jovens, simplesmente por estes serem do RN, num acto de desafio e desrespeito.

Outra questão discutível, que alguns consideram inconstitucional, foi o facto de haver 17 deputados que são ao mesmo tempo ministros demissionários. Estranha separação de poderes…

No final de todo este espectáculo, transmitido em directo pelos canais noticiosos franceses, a macronista Yaël Braun-Pivet foi reeleita com apenas mais 13 votos que o candidato comunista do NFP. Ou seja, depois de todo este atribulado processo político, os franceses têm exactamente a mesma Presidente da Assembleia Nacional. Perante este cenário, é irresistível recordar a famosa frase do romance O Leopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa: «É preciso que tudo mude, se quisermos que tudo fique como está.»

Entretanto, com o início iminente dos Jogos Olímpicos de Paris e o habitual êxodo das férias estivais, tudo leva a prever que a estagnação e a consequente ingovernabilidade continuarão. Tendo em conta que o Presidente da República só pode dissolver novamente a Assembleia daqui a um ano, é garantido que a situação se agravará e o Verão de 2025 será politicamente bem quente.

Marine Le Pen quer naturalmente beneficiar desta situação para assegurar o crescimento do seu partido e chegar finalmente ao Palácio do Eliseu. Em entrevista à revista Valeurs Actuelles, recordou que o RN passou de sete para 143 deputados no espaço de apenas dois anos e meio e afirmou que a vitória é inevitável. O seu objectivo é claro: as presidenciais de 2027.