Que futuro queremos para a PSP?

Não investir nas Forças de Segurança significa não investir no país, pondo em crise o crescimento económico e social.

A Polícia de Segurança Pública enfrenta tempos difíceis por estar, como nunca, numa situação limite, diria até a sobreviver por continuar amarrada a geometrias tradicionais que limitam, de sobremaneira, a sua capacidade de intervenção, sobretudo a de primeira linha, onde a prevenção e visibilidade são pedras de toque, isto se queremos manter, como sempre soubemos fazer, os níveis de segurança em níveis inquestionavelmente saudáveis e, no plano mundial, de difícil equiparação.

A segurança é hoje, mais do que nunca, um bem precioso para o bem-estar do país e das suas populações, sendo ingrediente indispensável à manutenção da marca de qualidade que tem impulsionado a fidelização de milhares de estrangeiros a virem viver para este paraíso, a virem visitá-lo e, não menos importante, a virem investir no nosso território.

As forças de segurança, e em especial a Polícia de Segurança Pública que tem exclusiva responsabilidade na segurança dos grandes centros urbanos, onde a pulsão social e confrontacional é crescentemente maior, sendo disso testemunho as estatísticas relativas à criminalidade violenta e grave, com mais de 70% a ter lugar nas grandes cidades de Portugal. Aliás, o RASI ilustra uma tendência de crescimento que já merece alguma preocupação, com valores já próximos de 2019, com mais de 14.000 ocorrências desta natureza. Esta trajetória parece, ainda que com a devida cautela, estar a sedimentar-se, sendo exemplo disso uma recente notícia relativa a freguesia de Ramalde, no Porto, destacando um aumento de quase 50% da criminalidade[1], para não esquecer as preocupações securitárias manifestadas pelos Presidentes das maiores Câmaras do País, Lisboa e Porto, que assinalaram estar bastante preocupados com um aparente recrudescimento destes indicadores criminais[2], ambos a reclamar mais Polícias, mais policiamento e mais resposta por parte da Polícia de Segurança Pública e da tutela.

A Polícia de Segurança Pública soube sempre adaptar-se aos novos desafios, sendo disso exemplo e reflexo uma diminuição muito assinalável do crime na sua área de responsabilidade, com mais de uma década de queda das ocorrências criminais, sobretudo aquelas que mais deterioram o sentimento de segurança, fazendo-o através de uma abordagem integral e multinível, entre a prevenção criminal e policiamento orientado pelas informações e para os problemas, e uma investigação criminal mais robusta, evoluída, priorizada e eficaz. Acredito, todavia, que hoje essa estratégia está em sério risco de colapsar, e isso é evidente perante a incapacidade notória em recrutar novos quadros, e pior, em manter vinculados os excelentes ativos que a PSP tem e que têm vindo a abandonar a instituição, procurando novos desafios no sector privado e no público, com perdas na ordem dos 60 polícias/ano, quase 15% do total de polícias que anualmente a Polícia tem conseguido formar na Escola Prática de Polícia. De ente estes, salta à vista o êxodo dos mais altos quadros da Polícia, designadamente os seus Oficiais, que depois de uma formação superior de 5 anos em Ciências Policiais, suportada pelo próprio Estado, têm decidido abandonar a instituição rumo a outras organizações, sendo exemplo disso os 5 Oficiais que neste momento se encontram a frequentar o curso de formação para Inspetor da Polícia Judiciária, muito fruto da assimetria salarial incompreensível que se criou entre carreiras.

Para ajudar ainda mais, está projetada a alocação de quase 1200 Polícias aos aeroportos internacionais e controlo de fronteiras aéreas, fruto da entronização de uma nova competência legal, hercúlea assinale-se, que a PSP herdou recentemente, e que retirará, inevitavelmente, polícias a toda a estrutura de primeira linha que estava já imensamente depauperada, agravando-se de forma profunda a sustentabilidade do modelo orgânico vigente e, consequentemente, a capacidade de resposta de primeira linha às mais, e em maior número, ocorrências criminais que vão progressivamente defenestrando o sentimento de segurança e paz social que, até agora, constituíam marcas de qualidade para Portugal, projetadas além fronteiras. Temo que seja difícil corresponder às elevadas expectativas que a população tem depositado na sua Polícia, não só na capacidade que tem sabido apresentar, ainda recentemente demonstrado por um estudo encabeçado pelo ISCTE que destaca, dentro da Administração Pública, as Forças de Segurança como um sector que funciona muito bem por comparação com outros sectores essenciais como a Justiça ou a Saúde.

É esta a imagem que queremos preservar junto dos nossos concidadãos, mas mais do que isso, assegurar que a Polícia não é defraudada na sua essência de servir e proteger os mesmos. Acreditamos que o rumo que tem sido seguido nos empurra para o precipício, e que o mesmo compromete seriamente a capacidade das Forças de Segurança, e em especial a PSP que tem aqui uma exigência qualificada, de proteger quase 6 milhões de cidadãos residentes, e muitos outros milhões que visitam Portugal todos os anos. Não é possível fazê-lo com muito menos Polícias, e muito menos continuar a fazer, não o mesmo, mas muito mais, tendo em conta que a PSP apresenta hoje menos quase 1000 Polícias que há 10 anos atrás (20235[3] segundo o Balanço Social da PSP de 2023), e com um quadro tendencialmente mais envelhecido resultante do bloqueio imposto pelas várias Leis de Orçamento de Estado dos últimos anos na passagem à pré-aposentação (e na incapacidade de recrutamento projetado), contando neste momento com quase 8000 Polícias com idade superior a 50 anos.

Temos um universo de profissionais cada vez mais desgastado e desmotivado, ficando bem patente pelas mais elevadas taxas de suicídio e burnout do país, que preocupantemente não param de galopar no seio das Forças de Segurança, espelhando bem a exigência emocional que a condição policial acarreta.

É por isso necessário, agora mais do que nunca, assumir medidas que revertam este trajeto, e isso passa por ter polícias mais motivados, mais [e melhor] investimento, melhor capacidade de recrutamento e melhor otimização de recursos, e isso passa, entre outras medidas, por:

  1. Reforçar a dignidade da condição policial, não apenas por via pecuniária direta – salários e suplementos adequados e condizentes -, mas através de benefícios de outra ordem que melhorem substancialmente as condições de trabalho dos Polícias, de forma a conferir maior satisfação e vinculação à função, como apoio na habitação, à família, à higiene e segurança no trabalho, entre outros que aplaquem um fenómeno de turnover cada vez mais enraizado;
  2. Reorganização do quadro infraestrutural, que neste momento ascende a quase 600 instalações policiais, consumindo recursos de forma muito pouco otimizada, para não falar da limitação compreensível ao investimento e requalificação das mesmas, tornando-as mais funcionais, mais adaptadas e mais dignas;
  3. Revisão do método de recrutamento nacional, sopesando-se a introdução de um modelo de recrutamento regional que chegue e penetre nas novas gerações, não condenando potenciais candidatos a uma colocação de longo prazo na maior área metropolitana do país, com uma realidade securitária mais desgastante, mas ao mesmo tempo financeiramente mais exigente, sem esquecer o afastamento destes das suas origens, fator consabidamente tido em linha de conta nestas tomadas de decisão;
  4. Melhoria da capacidade de recrutamento de pessoas sem funções policiais de forma a retirar Polícias de funções de apoio que não sejam eminentemente policiais, libertando, com isso, mais recursos;
  5. Investimento profundo na área das tecnologias de informação de forma a conferir maior agilidade e interoperabilidade na gestão, almejando a transição digital e a economia de recursos, mas, outrossim, a eficiência dos mesmos, quer numa perspetiva interna como externa a favor da população que diariamente nos procura com milhares de solicitações;
  6. Investimento no quadro da tech-policing, cyber-policing e robo-policing com alargamento e incorporação de ferramentas tecnológicas que se complementem e auxiliem a atividade operacional, destacando-se a tecnologia CCTV, sistema UAV (drones), sistemas de alarmística e outros ligados à deteção preditiva de casos através de ferramentas de IA;
  7. Revisão dos modelos aquisitivos e de manutenção da frota, permitindo uma gestão mais otimizada da frota automóvel, com aquisições calendarizadas no âmbito da Lei de Programação, mas sobretudo no plano contratual de assistência e reparação, evitando-se taxas de inoperacionalidade devastadoras acima dos 60% e 70%, sem esquecer as condições precárias e de insegurança que algumas delas apresentam numa utilização que se espera sempre mais agressiva e especialmente desgastante.

Muito há a fazer, e este é o momento, não teremos outro sob pena de caucionarmos o clima de segurança que sempre conseguimos, com muito esforço de todos os polícias, preservar, evitando episódios de extrema violência como os que, a título de exemplo, tiveram recentemente lugar na cidade alemã de Mannheim, e que levaram à morte de um Polícia e várias outras pessoas gravemente feridas na sequência de um ataque hediondo cometido com recurso a uma faca de grandes dimensões. Lembrar que não investir nas Forças de Segurança significa não investir no País, pondo seriamente em crise o futuro económico e social deste Nosso Portugal. É isso que esperamos da Sra. Ministra da Administração Interna, um total envolvimento e empenho para, em conjunto, invertermos este rumo, e trazer nova vitalidade à Polícia de Segurança Pública e aos milhares de fantásticos profissionais que nela trabalham, com todo o sacrifício para continuar a servir Portugal e os portugueses.        


[1] https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2024/07/11/criminalidade-em-ramalde-aumenta-quase-50-e-preocupa-populacao-rebentaram-arrecadacoes-a-patada/385788/.

[2] https://sol.sapo.pt/2024/06/29/estou-muito-preocupado-com-a-inseguranca/ e https://sol.sapo.pt/2024/05/23/rui-moreira-nota-um-fortissimo-sentimento-de-inseguranca-no-porto/.

[3] https://www.psp.pt/Documents/Instrumentos%20de%20Gest%C3%A3o/Balan%C3%A7o%20Social/Balan%C3%A7o%20Social%20da%20PSP%202023.pdf