Revolucionou a moda, contribuiu para a emancipação feminina e tornou-se um ícone em todo o mundo. Foi, por isso, responsável por catapultar uma série de transformações na vida das jovens ao longo dos borbulhantes anos 60. Tinha uns olhos grandes, um olhar visionário, um sorriso tímido e um cabelo curto e escuro à La Garçonne. Há precisamente 60 anos, em 1964, ficou conhecida por destapar as pernas das mulheres inventando a minissaia: aquilo a que a «bíblia» da aristocracia britânica, a revista Tatler, chamou «uma onda de rebelião, vigor e energia jovem». Recorde-se que não se sabe ao certo se esse pioneirismo se deve a ela ou ao francês André Courrèges. Costumava dizer: «Não fui eu ou Courrèges quem inventou a minissaia! Foram as raparigas na rua que a inventaram». De qualquer forma, trouxe inovação e sensualidade às roupas. Geométrica e cores vivas. Arriscou e contribuiu para a libertação feminina. Acreditava que a moda não é frívola, «é uma parte de estarmos vivos». Sublinhou nos seus trabalhos que «a mulher da moda usa roupas, não são as roupas que a usam». Para si, as regras eram inventadas para pessoas preguiçosas que não pensam por si. «A quebra das regras tradicionais é excitante. As regras são feitas para serem quebradas. Quando quebras uma regra, chegas automaticamente a algo diferente e isso é divertido», escreveu na sua primeira autobiografia, Quant by Quant, lançada em 1966. Quem era Mary Quant? Como atingiu o sucesso? Qual é a sua história?
Sede de mudança
Nasceu em Londres a 11 de fevereiro de 1930 e era filha de dois professores galeses. A sua adolescência foi vivida durante o período da Segunda Guerra Mundial. De acordo com a sua autobiografia, Barbara Mary Quant – o seu nome completo –, não queria ter a mesma vida que a mãe e, muito menos, vestir-se de forma parecida. Quant sabia que queria ser diferente e depressa começou a demonstrá-lo. Em pequena chegou a alterar o uniforme escolar e a cortar as suas saias.
No entanto, formou-se para ser professora de artes na Universidade de Londres e aí conheceu Alexander Plunket Greene que viria a ser seu marido e sócio. Casaram-se em 1957. Dois anos antes, ainda namorados começaram a frequentar Markham House em King’s Road, no bairro londrino de Chelsea, onde reunia o então chamado ‘Chelsea Set’ – dele faziam parte jovens interessados em vanguardas artísticas e em diferentes modos de viver e de vestir. Juntamente com o advogado e fotógrafo Archie McNair, em 1955, o casal abriu a sua primeira loja na King’s Road: a Bazaar. Nessa altura, Quant tinha apenas 25 anos. Aqui, as pessoas podiam encontrar roupas e acessórios preenchidos com estampas vibrantes, geométricas e coloridas, que se afastavam da norma. Além disso, no piso inferior, no subsolo, contava com um restaurante, um espaço para convívio e tertúlias, o que depressa transformou o local num dos mais renomados da zona. Era frequentado pelos Beatles, Rolling Stones, Audrey Hepburn e Brigitte Bardot, entre outros nomes.
Para a abertura da loja, Mary Quant optou por desenhar pijamas coloridos. Em pouco tempo, estes encontravam-se reproduzidos na revista Harper’s Bazaar, tendo sido depois copiados por uma fábrica norte-americana atenta a novas tendências. Ao mesmo tempo que geria o negócio, a jovem designer frequentava aulas noturnas de corte e costura. Quant tinha noção que não possuía as bases, por isso, fazia por aprender mais. Enquanto esta trabalhava sem parar, o marido tratava do marketing do negócio.
Já conhecida, abriu a sua segunda loja em colaboração com a rede americana de grandes lojas JC Penney. Também nessa altura, lançou uma linha acessível para o grande público, chamada The Ginger Group. Segundo a artista, as suas roupas correspondiam exatamente «à moda adolescente, ao pop, aos cafés com expressos e aos clubes de jazz». Em poucos anos, abriria 150 filiais em Inglaterra, 320 nos EUA e estaria presente em milhares de pontos de venda espalhados pelo globo. Recorde-se que o atrevido trabalho da estilista coincidiu com movimentos culturais e estudantis da década 60: a chegada da pílula anticoncecional e a revolução sexual que a acabou por acompanhar.
Uma estilista sem medo
Numa reflexão sobre a sua extensa carreira, presente no seu livro, Mary Quant destacou «a enorme diversão» que sentiu ao produzir de forma «frenética». Vale lembrar que, para uma grande parte da sociedade, as suas criações eram vistas como vulgares e impróprias: «Homens da cidade com chapéus-coco batiam na nossa vitrina com os seus guarda-chuvas gritando ‘imoral!’ e ‘nojento!’ ao ver as nossas minissaias, mas as clientes entravam para comprar de qualquer maneira», escreveu. Por outro lado, o comprimento de 30 cm das saias, era elogiado pelas suas consumidoras. A King’s Road, onde abriu a loja, transformou-se num local de desfile para estas jovens, num ambiente de festa característico desta «Swinging London». «Não nos apercebemos necessariamente de que o que estávamos a criar era pioneiro. Estávamos simplesmente demasiado ocupados a aproveitar todas as oportunidades e a abraçar os resultados antes de nos lançarmos ao próximo desafio», explicou a estilista em 2019, numa exibição em homenagem à sua carreira organizada pelo Victoria & Albert Museum.
Para Mary Quant, em algumas ocasiões, vestir-se para um homem tinha outro significado quando a roupa era usada para «conquistar». E fazer isso, era uma prova de se ser feminista. «Para o teu futuro namorado querer experimentar a tua sobremesa, em primeiro lugar, ele precisa de ser teu namorado. E, para isso acontecer, precisas da roupa certa. Se não quiseres um namorado, também podes fazer a sobremesa para ti mesma», escreveu na sua autobiografia. Segundo a Máxima, a partir de 1970 – já depois do nascimento do seu filho –, a estilista começou a diversificar o negócio, lançando «lingerie, perfumes, meias estampadas, botas altas, vestidos curtos, malas e carteiras coloridas, cintos, os famosos (e muito polémicos) hotpants, tops, impermeáveis em todas as cores vibrantes, óculos e gravatas». Dois anos antes, surgiu a maxi-saia, que, ao contrário da sua primeira criação, tapava os tornozelos – muito usada pelas hippies. Na área da maquilhagem, Mary Quant lançou ainda o eyeliner prateado e o verniz azul. Além disso, criou aquela que foi considerada «a boneca mais bem vestida do mundo». O guarda roupa da pequena Daisy – lançada no Reino Unido em 1973 –, era totalmente concebido pela estilista. Foi fabricada em Hong Kong até 1983, altura em que começou a perder a fama, com o surgimento da Barbie. Em 1994, lançou uma coleção de acessórios e cosméticos. «É para que ninguém me esqueça», explicou então à imprensa. Em 1998, desenhou ainda o interior do novo Mini 1000, o seu automóvel favorito. Segundo a artista, foi nele que se inspirou para designar a sua saia de formato reduzido.
A estilista destacava-se também pelo seu cabelo. Usava-o um bob geométrico de cinco pontas, cortado pelo cabeleireiro inglês Vidal Sassoon, que batizou o penteado com o nome da designer que tinha como cliente. «Ele libertou as mulheres da punição das horas passadas sob um secador de cabelo (…). Encontrámos a liberdade de nadar no mar, de conduzir num carro descapotável, de andar à chuva e depois apenas abanar a cabeça para parecer bem novamente», afirmava ao The Guardian, em 2012, ano da morte do cabeleireiro. «A moda é uma ferramenta para competir na vida fora de casa», defendia ainda.
Em 1966, Mary Quant foi condecorada como Officer of the Order of the British Empire (OBE) pelo seu contributo para a indústria da moda e recebeu a honra no Palácio de Buckingham com um minivestido. Já em 2014, a Rainha Isabel II atribuiu-lhe o título de Dama, o que deixou a designer «profundamente honrada». Em 2023 – ano da sua morte – fez ainda parte da primeira lista de honras de Ano Novo do Rei Carlos III. Esteve entre as mil figuras do Reino Unido e de diferentes meios que foram agraciadas pelo monarca e tornou-se Companion of Honour (Companheira de Honra), uma das distinções mais elevadas que são atribuídas.
A estilista morreu em abril do ano passado, aos 93 anos, «pacificamente na sua casa em Surrey, no Reino Unido», revelou na altura o anúncio oficial divulgado pela sua família.