Cartas – já uma raridade – há-as para todas as situações. As de amor são belas (e ridículas!), e as de tempo de guerra, dramáticas, embora muitas também sejam belas por serem de amor. Tristes, imensamente tristes, são aquelas que as famílias dos combatentes recebem quando eles não regressam. Também há cartas que desencadeiam conflitos entre nações, assim como as que os cessam, por vezes a preços extremamente elevados. Um exemplo disso é a carta que Albert Einstein dirigiu ao Presidente Roosevelt, que, em última análise, contribuiu para o fim da II Guerra Mundial.
No início de 1939, em Berlim, Otto Hahn e Fritz Strassman tinham descoberto a cisão nuclear ao bombardearem urânio com neutrões. Sozinhos, não teriam conseguido, mas a visão de Lise Meitner, que trabalhara com Hahn, foi crucial. De origem judia, exilara-se em Estocolmo em 1938, mantendo correspondência assídua com o colega. No final, foi ela quem interpretou o fenómeno: o átomo de urânio cindia-se em dois átomos mais leves, libertando muita energia e dois ou três neutrões, consoante a fragmentação (o Prémio Nobel da Química de 1944 iria, no entanto, todo para Hahn!). A primeira experiência norte‑americana de cisão nuclear teve lugar logo em finais de janeiro de 1939, na Universidade de Columbia. Da equipa fazia parte o físico húngaro, Leó Szilárd, que já em 1934 patenteara a ideia de que, se um núcleo atómico emitisse neutrões e o efeito fosse multiplicado várias vezes numa reação nuclear em cadeia, poder-se-ia atingir proporções de uma grande explosão. Não é de admirar, portanto, que tenha tido a iniciativa de enviar uma carta ao Presidente Franklin Roosevelt, alertando-o para a necessidade de os EUA e os Aliados desenvolverem um projeto nuclear que garantisse a capacidade de deter a ameaça que a Alemanha representava, pois tudo indicava que estava a purificar urânio-235 para produzir uma bomba extremamente destruidora, baseada nesse princípio. Refira-se que o urânio tem vários isótopos, ou seja, alguns dos seus átomos diferem no número de neutrões, sendo cindível o isótopo 235, que apenas representa 0,72% do urânio natural.
Em julho, Szilárd convidou Einstein, a figura de maior prestígio no mundo da ciência, para a sua casa em Long Island (foto), onde este, em alemão, ditou a carta. Incerto, porém, quanto ao nível de detalhe a fornecer, Szilárd traduziu o texto em duas versões diferentes. Datadas de 2 de agosto, foram ambas enviadas a Einstein para sua aprovação e assinatura. Einstein assinou as duas e mostrou preferência pela mais longa, mas deixou a escolha final a cargo de Szilárd.
Logo a 1 de setembro, a invasão da Polónia pela Alemanha desencadeou a II Guerra Mundial. O resto é História: na sequência da carta, foi criada a Comissão Consultiva do Urânio, embrião do Projeto Manhattan, com o mítico Robert Oppenheimer como diretor científico. Com os EUA na guerra, após o ataque surpresa dos japoneses à base naval de Pearl Harbor, no Havai, a 7 de dezembro de 1941, os esforços de desenvolvimento da bomba atómica intensificaram-se. Em Berkeley, tinham sido produzidos novos elementos químicos: neptúnio e plutónio. O neptúnio-239, instável, decai para plutónio-239, também cindível, constituindo outra possibilidade para a bomba. Era, porém, crucial obter material cindível em quantidade suficiente para sustentar reações em cadeia. Envolvendo o Corpo de Engenheiros dos EUA e vários gigantes da indústria, além das universidades de Berkeley, Chicago e Columbia, com a participação do Reino Unido e do Canadá, o Projecto Manhattan atingiu proporções colossais, empregando mais de 130 000 pessoas. As incertezas sobre a viabilidade da bomba eram, porém, imensas, mas havia uma certeza absoluta: se funcionasse, a sua força destrutiva decidiria o resultado da guerra a favor de quem a utilizasse.
A guerra já tinha terminado na Europa há mais de dois meses com a rendição da Alemanha, quando, a 16 de julho, no ‘Trinity Test’, foi ensaiado, com sucesso, o protótipo da bomba atómica. A 6 de agosto, os EUA lançaram uma bomba sobre Hiroxima e, três dias depois, outra sobre Nagasáqui, forçando a rendição do Japão e pondo fim à II Guerra Mundial.
A versão mais curta da carta de Szilárd e Einstein, assinada pelo segundo, mas não enviada, será leiloada na Christie’s de Nova Iorque a 10 de setembro, com estimativas de atingir entre 4 e 6 milhões de dólares. Cá em casa, algures, tenho uma cópia fac-similada da versão que Roosevelt recebeu. Adquiri-a por 5 ou 6 dólares na loja de recordações da base naval de Pearl Harbor.