Estamos em época de incêndios, mas parece que os mesmos se deslocaram das florestas para as cidades, com várias vozes, pessoas e responsáveis políticos a manifestar preocupações profundas com a segurança, reclamando mais Polícias na rua, mais visibilidade, mais presença, tudo a bem das suas comunidades e da qualidade de vida que foi, até agora, imagem de marca de Portugal. Infelizmente a segurança só é lembrada quando deixamos de a ter, uma espécie de matrimónio cuja ideia de divórcio atormenta até os mais intrépidos e galhardos. Esta semana juntaram-se aos Presidentes das Câmaras de Lisboa, Porto e Matosinhos, a Presidente da Junta de Freguesia de Ramalde e, de forma mais estridente, o Presidente da Junta de Freguesia Santa Maria Maior, todos eles vocais quanto a um sentimento de insegurança que se tem, segundo eles, instalado em algumas partes dos seus territórios, solicitando respostas rápidas [e sentidas] à Polícia de Segurança Pública e ao Ministério da Administração Interna para que se assegure uma reversão deste alegado zeitgeist que se tem, alegadamente, vindo a arreigar no âmago da malha urbana e social.
Se é verdade, e sabemo-lo, que nem sempre a insegurança encontra uma tradução ou correspondência linear com um aumento dos crimes, designadamente aqueles que mais alimentam esse mesmo sentimento, que será o caso como já adiantou preliminarmente a Polícia, apontando para valores e indicadores que à primeira vista não indiciariam ou antecipariam estas preocupações securitárias, havendo até a nota de decréscimos substanciais na criminalidade violenta e grave, teremos então que cogitar e procurar encontrar a raiz deste sentimento, que é inegável, e que tem, por isso, que ser encarado e enfrentado, em primeira linha pelas autoridades policiais, mas por todos os atores do sistema que, ao seu nível, são responsáveis, em toda a linha, para a manutenção de um sentimento de segurança estável e robusto e, sobretudo, que assegure a fraterna irmã, a materialização plena do espaço de liberdade das pessoas. E creio que a resposta, não sendo simples, augura-se óbvia, e reside no défice cada vez maior de Polícias para assegurar a tão reclamada visibilidade policial, com todos os efeitos, objetivos e subjetivos, que dela resultam, quer no plano emocional dos cidadãos, quer no plano da dissuasão de crimes e incivilidades. É aí que estamos a falhar, mas não é por falta de vontade dos Polícias e da Polícia que chegamos aqui, porque estes e esta, estão cansados de continuar a fazer mais com menos. É tempo de invertermos este rumo, é tempo de fazer destes menos, mais, e isso não passa apenas por formar mais Polícias na Escola Prática de Polícia, é preciso que esses mais se sintam bem no desempenho da sua missão pública, que se sintam vinculados e realizados, que se sintam respeitados e dignificados, só assim evitaremos que continuem a sair em debandada. Ainda esta semana assistimos a essa discussão nos mais diversos órgãos de comunicação social, alertando para a tempestade perfeita entre a falta de atratividade para ir, e mais importante, a falta de atratividade para permanecer nas Forças de Segurança, em especial na PSP que atua nos centros de maior conflitualidade, de maior contestação e, naturalmente, de maior exigência social. A penosidade é tamanha que a profissão deixou de ser, como era em tempos idos, uma profissão nobre e atrativa.
Neste entremeio, instada a recensear soluções, a Senhora Ministra da Administração Interna veio adiantar alegados reforços de verão para, à semelhança de tempos passados, conseguir-se atravessar mais um período de veraneio, especialmente exigente no panorama da segurança por óbvias razões. Não duvidando da imensa vontade da Senhora Ministra, há pouco menos de 4 meses no cargo, não esperemos que a mesma traga guardado na sua algibeira panaceias mágicas que consigam reverter, pelo menos com a velocidade aclamada, a manifesta insuficiência de quadros que a PSP apresenta neste momento, agudizada ainda mais pela recente nova competência no controlo de fronteiras, que virá a consumir quase 1600 Polícias, quase 10% do seu quadro de pessoal. Não se enganem, estes Polícias foram e serão retirados, grande parte deles, da primeira linha de resposta. É, pois, fundamental que se concertem medidas estratégicas que ampliem e amplifiquem a capacidade de resposta da Polícia e dos seus Polícias, e isso passará, como já referi bastas vezes, por uma reorganização efetiva do modelo orgânico caduco que a PSP apresenta, que constrange a sua capacidade funcional de resposta e projeção, mantendo recursos amarrados a edifícios e funções que não têm que existir, que não têm que ser assumidas por Polícias. Se é verdade que o fecho de instalações policiais não é uma medida popular, também não deixa de ser verdade, e todos nós o sabemos, que os Polícias são necessários onde as pessoas precisam deles, e que não serão os pedaços de alvenaria a ir em seu auxílio quando mais precisarem.
A discussão é séria, mas urge que seja feita com a maior das responsabilidades entre MAI, a Direção Nacional da PSP e as estruturas sindicais representativas dos seus Polícias. Já muito foi pensado, e certamente que todos poderão contribuir para que se consigam chegar às melhores soluções possíveis, para bem da segurança pública, para bem dos Polícias, para bem das pessoas e, sobretudo, para bem de Portugal.