O fascínio dos Jogos Olímpicos da antiga Grécia calcorreou milénios e séculos. Houve sempre, no homem moderno, um ambição de repeti-los, agora com as vicissitudes de um tempo diferente. Durante o Século XIX, na Europa, houve tentativas quase todas frustradas de torneios desportivos englobando atletas de diversos países, mas nada se comparou à grandeza que era almejada. Em 1870, no Estádio Panatenaico de Atenas, após uma competição alargada que chegou a atrair diariamente cerca de 35 mil pessoas, houve alguém que achou que o momento tinha chegado. Chamava-se William Penny Brookes, um cirurgião britânico, igualmente magistrado e botânico, fundador da Wenlock Olympian Society, uma organização que, desde 1850, organizava os Wenlock Olympian Games, um acontecimento que se compunha de meia-dúzia de provas desportivas, que variavam de edição para edição, tendo como pontos fortes provas de velocidade, de lançamentos e ciclismo. O dr. Brookes foi suficientemente revolucionário para incluir também uma corrida para mulheres.
Em 1890, William conheceu um grande entusiasta pelas suas ideias. Charles Pierre de Frédy, Barão de Coubertin, que nascera a 1 de Janeiro de 1863, no meio de uma família aristocrática francesa. Os dois homens deram-se bem, eram gente fina, tomavam chá na biblioteca um do outro, frequentavam clubes para cavalheiros, e tiveram a ideia fantástica de criarem, em 1894, o International Olympic Committee, tendo-se tornado um terceto com a inclusão de Demetrios Vikelas, um grego que nascera em Ermoupoli, na ilha de Syros, em 1835, que vivera a sua juventude entre Atenas e Istambul, mas que viria a fazer fortuna em Londres para onde emigrou no início da idade adulta. Coube a Vikelas ocupar o cargo de primeiro presidente do Comité Olímpico Internacional e essa decisão não se prendeu por ter mais capacidade do que os seus companheiros de aventura, mas sim porque lhe caiu sobre os ombros a responsabilidade de organizar, em apenas dois anos, a primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna, em Atenas, pois claro, Olímpia não passava de uma cidade abandonada e em ruínas, a capital da Grécia era o local ideal para recuperar o espírito dos velhos Jogos.
Demetrios era um tipo que não perdia muito tempo a olhar para trás e tratou de deitar mãos à obra com a ajuda providencial do dinheiro do seu milionário amigo Georgios Averof. O Estádio Panatenaico, também conhecido por Kallimarmaro (quer dizer Lindo Mármore) seria a sede de competições como a luta livre ou corridas e foi sujeito a obras de melhoramento. Ainda hoje é dos monumentos mais visitados de Atenas. Mas havia outros. O Velódromo Neo Phaliron receberia as provas de ciclismo, e o Palácio de Zappeion as de espada. A cerimónia de abertura ficou marcada para o dia 6 de Abril de 1896. Quando o dia chegou, o Panatenaico encheu-se com 80 mil espectadores. Era um momento mais do que especial pois caiu numa Terça-Feira-Santa, santa que ela é igualmente para católicos e ortodoxos, ainda por cima sobre os festejos da independência do país. O rei Jorge I, a sua mulher Olga e os seus filhos abrilhantavam a bancada principal. O príncipe Constantino fez o discurso inaugural. Atletas de todos os países representados alinharam no meio da arena. Tudo estava pronto.
Os catorze magníficos
Foram catorze as nações que participaram nos Jogos da Primeira Olimpíada. Catorze magníficos: Austrália, Áustria, Bulgária, Chile, Dinamarca, França, Alemanha, Grã-Bretanha, Grécia, Hungria, Itália, Suécia, Suíça e Estados Unidos. 241 atletas no total, sendo que a Grécia apresentou uma equipa gigantesca de 169 elementos (há quem afirme que foram 176), muitíssimo maior do que todas as outras juntas. Alguns países resumiram-se a um só selecionado, casos da Austrália, da Suécia, da Itália ou do Chile. A segunda maior delegação era a alemã, com 19 representantes, seguindo-se a norte-americana com 14. A verdadeira pièce de résistance dos primeiros Jogos Olímpico da nossa Era foi o atletismo. Treze eventos, 100, 400, 800 e 1500 metros, 110 metros barreiras, maratona, salto em altura e salto em comprimento, triplo salto, salto em comprimento sem balanço, lançamento do peso e do disco, um clássico da Grécia Antiga.
Convém acrescentar por aqui, em qualquer lado, e nada como esta linha para o fazer, que só havia medalhas para o vencedor e para o segundo classificado: prata e bronze. Os terceiros ficavam de mãos a abanar. Mais tarde, retroativamente, o Comité Olímpico veio a fazer justiça premiando os melhores classificados com as medalhas que conhecemos hoje em dia. Impressionante a superioridade dos Estados Unidos que, tirando a maratona (esta tem direito a uma história à parte), e os 800 e 1500 metros, arrebataram os outros nove primeiros lugares, somando ainda seis segundos e dois terceiros. Thomas Edmund Burke, natural do Massachusetts, estudante de Direito, arrebatou os 100 metros (com 12,2 segundos) e os 200 (56,2); Ellery Clark, outro natural do Massachusetts, venceu o salto em altura (1,88 metros) e o salto em comprimento (6,35); mas o homem que deu água pela barba aos americanos foi o australiano Edwin Harold Flack, nascido em Londres, um tenista igualmente talentoso, que não deu hipótese nos 800 metros (2 minutos e 11 segundos) e nos 1500 metros (4,32,2). Curiosamente, depois de Atenas, regressou a Berwick, na Austrália, para onde os pais tinham emigrado na sua infância, e ficou por lá a pastar vacas até morrer.
A ginástica sempre foi, para os alemães, o desporto de eleição. Mandaram para Atenas uma equipa de onze atletas e ganharam cinco dos oito eventos – em dois dos quais sendo a única equipa a participar -, e com o infeliz Hermann Otto Ludwig Weingärtner a fazer uma exibição notável nas barras horizontais. Infeliz porque, como outros seus colegas, foi castigado e banido das competições por ter participado em provas contra não-alemães. O Deutsche Turnerschaft, organismo que geria o desporto na Alemanha desse fim de século, tinha boicotado os Jogos e todos os que se apresentaram em Atenas tinham o cutelo dependurado sobre o pescoço. As medalhas não lhes serviram de nada.
Como os organizadores tinham sido suficientemente forretas para não construírem uma piscina, as provas de natação foram disputadas em mar alto, defronte do porto do Pireu. Hipótese para Alfréd Hajós, o húngaro que era futebolista, vencer os 100 e os 1500 metros livres. Quanto aos gregos, claro!, dominaram as medalhas. Afinal eram mais do que as mães. 47 medalhas, mais 27 dos que os Estados Unidos. Mas apenas dez primeiros lugares contra onze dos americanos. Ninguém se admirou quando o rei Jorge I, no seu discurso de encerramento dos Jogos, tivesse exigido que eles fossem para sempre realizados na Grécia.