À atenção do mundo empresarial

A equidade exige, de facto, muito mais do que sistemas de IA que não discriminam.

Numa altura em que se fala cada vez mais de produtividade e dos ganhos da IA (‘inteligência artificial’), a automação da gestão dos recursos humanos (RH) nas empresas é uma realidade que devemos obrigatoriamente conhecer. Empregadores e trabalhadores, em particular sindicatos e associações empresariais, precisam rapidamente de ganhar consciência e formação acerca das vantagens e dos riscos destas novas ferramentas. Isto se querem potenciar oportunidades e diminuir conflitos, ganhando um lugar à mesa neste novo mundo, sobrelotado de espetadores.

Há não muito tempo, num artigo de opinião, chamei exatamente à atenção para a importância do diálogo social na mitigação das profundas assimetrias e desigualdades que se podem começar a instalar fruto de défices de informação que, por diversas razões, continuam a existir nesta matéria.

Na área do recrutamento, os casos que começam a chegar aos tribunais, ainda poucos, demonstram bem a complexidade e o desafio de encontrar uma abordagem equilibrada entre os ganhos da automação e os direitos fundamentais. Note-se, desde logo, que na maior parte das vezes os candidatos tampouco sabem que se usa IA, o que torna improvável uma ação de responsabilização.

Não se questiona o potencial destes sistemas para tornar o recrutamento mais eficiente, mas não podemos ignorar as questões de equidade e justiça que se começam a colocar.

Há um caso recente que valerá a pena seguir. Nos Estados Unidos, Derek Mobley é o autor de uma ação coletiva contra a empresa Workday, uma plataforma de software de gestão de RH, acusada de discriminação devido ao software de IA utilizado nos processos de contratação. Mobley alega ter sido injustamente rejeitado, por clientes que utilizam a plataforma, em mais de 100 candidaturas, sendo vítima de discriminação racial, em função da idade e em razão da deficiência. A empresa, por sua vez, argumenta que não é uma empresa de recrutamento e que os clientes são os únicos responsáveis pela configuração das ferramentas e o controlo das candidaturas. O caso segue agora para julgamento, assumindo-se que apesar de não ser uma empresa de recrutamento, tem um papel relevante na contratação, pelo que passível de violar os princípios da igualdade e da não discriminação.

O futuro da regulamentação e da utilização da IA no mercado de trabalho dependerá muito destes casos, assim como naturalmente da reação das empresas, ainda pouco conscientes dos riscos legais e reputacionais envolvidos. Mais um exemplo. Na Áustria, o Supremo Tribunal Administrativo confirmou, há pouco tempo, que a utilização de um algoritmo, pelo Serviço Público de Emprego, para categorização de candidatos, definindo perfis, qualifica-se como decisão automatizada para efeitos do artigo 22 do RGPD, pelo que é proibido.

Sem dúvida que a automação da gestão de recursos humanos (RH) vai avançar, mudando a estrutura e a forma como o trabalho está organizado. Os parceiros sociais devem ser capazes de acompanhar e moldar estes processos de forma responsável. Confesso que o que mais me tem impressionado é o desconhecimento generalizado de muitos destes desenvolvimentos e a desproteção que daqui decorre. Não há melhor barómetro do que as redes sociais, onde já temos influencers que se dedicam a ensinar truques para ultrapassar estes algoritmos.

Há que reforçar a transparência, a formação e sistemas de certificação e auditoria capazes de mitigar os riscos que podemos reconhecer e assumir em nome de um ideal de eficiência. A equidade exige, de facto, muito mais do que sistemas de IA que não discriminam. É em nome de uma igualdade de oportunidades, que é preciso fazer mais e melhor.