Amigos. Da Antiga Mesopotâmia até ao século XX

Quando pensamos em amizade, lembramo-nos das nossas e também daquelas que nos marcam por algum motivo. E, de facto, existem algumas, mais famosas, que se destacam por variados motivos. Contamos-lhe algumas dessas histórias.

A amizade existe desde os primórdios e, ao longo da História, muitas amizades famosas destacaram-se e influenciaram eventos, culturas e até mesmo a direção de sociedades. Por exemplo, Gilgamesh e Enkidu tiveram uma das primeiras histórias de amizade documentadas na literatura, encontrada na Epopeia de Gilgamesh da antiga Mesopotâmia. Esta é uma narrativa épica que conta a história de Gilgamesh, o rei semidivino de Uruk, uma das cidades-estado da antiga Mesopotâmia.

Gilgamesh é descrito como sendo dois terços deus e um terço humano, possuindo força e poder extraordinários, mas também uma arrogância que o torna um líder tirânico. Já Enkidu é criado pelos deuses como um contraponto a Gilgamesh para equilibrar a sua tirania. Enkidu começa a sua vida na natureza, vivendo entre os animais e desconhecendo a civilização. É forte e selvagem, uma figura de grande poder físico. Juntos, realizam grandes feitos, como derrotar o gigante Humbaba, guardião da Floresta dos Cedros, e o Touro Celestial enviado pela deusa Ishtar em vingança.

Se avançarmos no tempo, encontramos Sócrates e Platão. O filósofo Sócrates influenciou profundamente o seu aluno Platão, que mais tarde tornou-se um dos filósofos mais importantes da História ocidental. Mas conheçamos a ligação de ambos melhor. Platão (427-347 a.C.) foi um dos principais discípulos de Sócrates e tornou-se um dos maiores filósofos de todos os tempos. Fundou a Academia em Atenas, uma das primeiras instituições de ensino superior do mundo ocidental. Platão escreveu muitos diálogos filosóficos, nos quais Sócrates frequentemente aparece como personagem principal.

Nestes diálogos, Sócrates é retratado como o protagonista que desafia as opiniões estabelecidas e incentiva o pensamento crítico. Sócrates foi condenado à morte por corromper a juventude de Atenas e por não acreditar nos deuses da cidade. Platão documenta a defesa de Sócrates no diálogo Apologia de Sócrates, e descreve as suas últimas horas em Fédon. A execução de Sócrates teve um impacto profundo em Platão e foi um catalisador para o seu compromisso com a filosofia.

Muitos anos depois, surgem  Thomas Jefferson e John Adams. Ambos foram Presidentes dos Estados Unidos e amigos íntimos, embora tenham tido períodos de rivalidade política intensa. A sua correspondência posterior revela uma amizade renovada e profunda. Jefferson (1743-1826) e Adams (1735-1826) conheceram-se durante o Congresso Continental, onde ambos eram delegados das colónias americanas que procuravam a independência da Grã-Bretanha. Trabalharam juntos na redação da Declaração de Independência dos Estados Unidos em 1776. Jefferson foi o principal autor, enquanto Adams foi um dos mais fervorosos defensores do documento no Congresso.

Depois, é essencial abordar o elo de Karl Marx e Friedrich Engels. Juntos, co-escreveram O Manifesto Comunista e desenvolveram a base do marxismo, influenciando enormemente a teoria política e económica. Marx (1818-1883) foi um filósofo, economista, historiador, sociólogo, teórico político e jornalista. É mais conhecido pelas suas obras sobre a crítica do capitalismo e pela teoria do materialismo histórico. Engels (1820-1895) foi um filósofo, sociólogo, jornalista e empresário. Co-desenvolveu a teoria marxista ao lado de Marx e apoiou financeiramente o seu trabalho.

Na literatura, temos o caso de C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien. Os famosos escritores e académicos eram membros do grupo literário ‘The Inklings’ e tiveram uma amizade profunda que influenciou as suas obras literárias. Conheceram-se em 1926 na Universidade de Oxford, onde ambos eram professores. Rapidamente descobriram interesses comuns em mitologia, literatura e linguística. Tolkien incentivou Lewis a explorar a fantasia e a ficção. Foi fundamental na decisão de Lewis de escrever As Crónicas de Nárnia. Da mesma forma, Lewis encorajou Tolkien a completar O Senhor dos Anéis, um projeto que Tolkien tinha deixado de lado por um tempo.

Susan B. Anthony e Elizabeth Cady Stanton foram duas das líderes mais proeminentes do movimento sufragista feminino nos Estados Unidos e trabalharam juntas incansavelmente pela igualdade de direitos. Conheceram-se em 1851 através de uma amiga em comum, Amelia Bloomer. Rapidamente perceberam que tinham um objetivo comum de promover os direitos das mulheres e a abolição da escravidão. Tal como Martin Luther King Jr. e Ralph Abernathy, que foram companheiros na luta pelos direitos civis nos EUA, sendo que Abernathy foi um dos principais confidentes de King e ambos trabalharam juntos em muitas das campanhas mais importantes do movimento. Após o assassinato de King, em 1968, Abernathy continuou a luta pelos direitos civis.

Embora o relacionamento de Frida Kahlo e Diego Rivera tenha sido complexo e romântico, a amizade e parceria artística entre os dois influenciou profundamente a arte e a cultura mexicanas. Travaram conhecimento quando ela era estudante. Rivera já era um muralista reconhecido e foi Kahlo que, fascinada pela sua arte, procurou-o para mostrar as suas próprias pinturas. Casaram em 1929 e tiveram um relacionamento intenso e complicado, cheio de separações e reconciliações. Apesar das suas diferenças e infidelidades mútuas, mantiveram um profundo respeito mútuo pela arte um do outro.

O caso de Salvador Dalí e Federico García Lorca também deve ser explorada. A amizade entre o pintor surrealista Dalí e o poeta Lorca foi intensa e inspiradora, embora tenha terminado de forma trágica com a morte prematura de Lorca. Lorca era abertamente homossexual e muitos acreditam que tinha uma paixão não correspondida por Dalí. Dalí apreciava a adulação de Lorca, mas manteve um relacionamento platónico, embora também demonstrasse carinho e admiração pelo amigo. Lorca foi assassinado pelos nacionalistas em 1936, durante a Guerra Civil Espanhola, um evento que abalou profundamente Dalí, que continuou a homenageá-lo na sua obra, expressando a sua dor e saudade.