Os benefícios da amizade para a saúde mental e física

Construir amizades e mantê-las é imperativo em todas as fases da nossa vida. No entanto, tal é especialmente urgente na adolescência. O i falou com Tanya Manchanda, da Universidade de Oxford, para entender melhor a importância dos amigos para os mais jovens.

A amizade tem inúmeros benefícios para a saúde mental e muitos estudos têm demonstrado esses efeitos positivos. Por exemplo, ter amigos pode ajudar a reduzir os níveis de cortisol, a hormona do stress. O apoio emocional que os amigos fornecem pode atuar como um amortecedor, digamos assim, contra o mesmo. E um estudo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences mostrou que pessoas com fortes laços sociais apresentavam menores respostas de cortisol ao stress social.

As interações sociais positivas com amigos podem libertar endorfinas e oxitocina, substâncias químicas que melhoram o humor e proporcionam sentimentos de felicidade. Tanto que um estudo realizado na Universidade de Harvard levou à descoberta de que as pessoas que têm amizades sólidas são mais propensas a relatar altos níveis de felicidade. Por outro lado, os amigos podem oferecer suporte emocional durante momentos difíceis, o que pode reduzir o risco de desenvolver depressão.

Um estudo publicado no Journal of Social and Personal Relationships descobriu que pessoas com amizades próximas têm menos probabilidade de sofrer de depressão e ansiedade. E os amigos fornecem validação social e um sentimento de pertença, o que pode aumentar a autoestima. Uma pesquisa da Universidade de Windsor mostrou que a amizade é positivamente correlacionada com a autoestima, especialmente em adolescentes (mas já lá vamos).

Os amigos podem encorajar o crescimento pessoal e o desenvolvimento de novas habilidades e interesses. Um estudo da Psychological Science conduziu à compreensão de que a amizade pode promover o desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais, contribuindo para o crescimento pessoal. Além disso, os fortes laços sociais estão associados a uma maior longevidade. Uma meta-análise publicada na PLoS Medicine concluiu que pessoas com fortes laços sociais têm uma probabilidade 50% maior de sobrevivência em comparação com aquelas com fracos laços sociais.

E há outros estudos, extremamente importantes, sobre amizade e saúde mental. É o caso de Social Relationships and Health (House, Landis e Umberson, 1988), que mostrou que as relações sociais têm um impacto significativo na saúde mental e física. As pessoas com fortes redes sociais têm menos probabilidade de sofrer de doenças mentais e físicas. E Loneliness and Social Isolation as Risk Factors for Mortality (Holt-Lunstad, Smith e Layton, 2010) é uma meta-análise que revelou que o isolamento social e a solidão estão associados a um aumento significativo no risco de mortalidade, sugerindo que as conexões sociais são cruciais para a saúde e a longevidade.

A importância das conexões na adolescência Necessitamos de amigos em todas as fases da nossa vida, mas estas afiguram-se particularmente relevantes na adolescência. Em Investigating the Role of Befriending Interventions in Adolescent Mental Health Outcomes: A Scoping Review and a Systematic Review of Effectiveness, de 2023, Tanya Manchanda, Alan Stein e Mina Fazel exploram o impacto das intervenções de amizade na saúde mental dos adolescentes por meio de uma revisão de escopo e uma revisão sistemática de eficácia. Ou seja, mapearam a literatura existente sobre intervenções de amizade e identificaram os diferentes tipos de intervenções, populações alvo e contextos de aplicação. Avaliaram a eficácia das intervenções de amizade e o método foi baseado na análise dos resultados em termos de melhoria na saúde mental, redução de sintomas de depressão e ansiedade e outros indicadores de bem-estar.

“O estudo consiste numa revisão de escopo para mapear a gama de intervenções de amizade para a saúde mental de adolescentes e uma revisão sistemática para avaliar a sua eficácia. Defini amigos como um ‘grupo social autêntico’. Ao conduzir esta pesquisa, selecionei mais de 37.000 artigos para identificar aqueles que envolviam grupos sociais autênticos de adolescentes. Destes, 24 artigos atenderam aos critérios para serem incluídos na revisão de escopo e 18 foram incluídos na revisão sistemática. As intervenções variaram na forma como foram realizadas (totalmente on-line, on-line e presencial ou totalmente presencial). Algumas intervenções foram realizadas numa única sessão de 45 minutos, enquanto outras foram realizadas ao longo de 11 semanas”, começa por explicar Tanya Manchanda em declarações ao i, estudante de doutoramento na Universidade de Oxford, no departamento de Psiquiatria.

“Foram identificados dois tipos de grupos de resultados: amigos que receberam o treino de intervenção e amigos que receberam ajuda do seu amigo treinado. A maioria das intervenções não forneceu informações sobre amigos que receberam ajuda dos seus amigos treinados, portanto esses resultados foram inferidos com base no que foi relatado pelos participantes do estudo. Os amigos que foram formados nas intervenções relataram geralmente uma maior confiança para prestar apoio, aumentar a literacia em saúde mental e saber como e onde procurar ajuda para si e para os outros”, avança a académica cujos principais interesses são a dinâmica da amizade entre adolescentes e a sua associação à saúde mental dos mesmos.

“Como resultado da revisão, surgiram três temas principais para intervenções de amizade: saúde mental geral e bem-estar, melhoria da procura de ajuda e construção de amizade/combate ao isolamento”, especifica, indicando que um estudo do laboratório que integra na Universidade de Oxford, utilizando o inquérito OxWell, “descobriu que os adolescentes recorrem mais frequentemente aos amigos em busca de apoio relativamente à sua saúde mental – mais do que aos pais, professores ou serviços de saúde mental”.

“Infelizmente, o apoio que recebem dos amigos nem sempre é útil. É aqui que entram as intervenções de amizade: estas intervenções visam educar o grupo social existente de um adolescente sobre saúde mental e sobre a melhor forma de apoiar o seu amigo quando este procura ajuda”, clarifica Tanya Manchanda (@TanyaManchanda_ no Twitter), explicitando que “as intervenções de amizade aproveitam as redes sociais existentes de adolescentes e são pouco exploradas”, sendo que “as que existem mostram resultados promissores em termos de apoio à saúde mental dos adolescentes, especialmente a curto prazo, mas é necessário realizar mais investigação para determinar quão eficazes podem ser a longo prazo”.

“Recomendaria às escolas que desenvolvessem programas que incluíssem educação sobre alfabetização em saúde mental. Ensinar os adolescentes sobre saúde mental, como reconhecer sinais de sofrimento e onde procurar ajuda pode capacitá-los a apoiarem-se a si próprios e aos seus pares de forma eficaz. Se as escolas tiverem intervenções ou programas em vigor, é útil avaliar continuamente a eficácia das intervenções de amizade e estar preparado para adaptá-las com base no feedback e na investigação emergente”, sugere a investigadora. “Além disso, como a investigação neste domínio é nova, a monitorização dos resultados dos programas pode ajudar a identificar o que funciona melhor e garantir que os programas permanecem relevantes e eficazes”.

“Prevejo que as intervenções de amizade sejam integradas nos currículos escolares, proporcionando aos adolescentes um apoio de saúde mental estruturado e acessível. Dado o tempo significativo que os jovens passam com os seus amigos e colegas, é crucial capacitá-los com competências como a escuta ativa e o reconhecimento de quando e como oferecer apoio, seja online ou pessoalmente”, alerta. “Esta abordagem deve equilibrar a prestação de ajuda sem sobrecarregar os amigos com responsabilidades. Semelhante aos cursos de primeiros socorros, os ‘primeiros socorros para amizade’ devem ser priorizados, dotando os jovens das habilidades necessárias para apoiar um amigo necessitado – ou até mesmo entrar em contacto com um amigo se eles próprios precisarem de apoio”, sublinha.

“Isto pode ser especialmente valioso em áreas com acesso limitado a serviços profissionais de saúde mental, onde o apoio dos pares pode desempenhar um papel importante na oferta de ajuda imediata e significativa”, afirma, concluindo que almeja “investigar mais detalhadamente os grupos-alvo ideais para intervenções de amizade e identificar as competências mais benéficas para ensinar aos adolescentes”, revelando que analisou dados de mais de 29.000 estudantes para compreender a qualidade da amizade, as funções das amizades íntimas, das amizades online e como todas elas se relacionam com a saúde mental.