Papel da amizade para os idosos. Qual é o efeito da manutenção dos laços sociais?

É comum ouvirmos dizer “é meu amigo há uma vida!”. É o caso de Madalena e Maria dos Anjos, que esperam “morrer” juntas. Em Portugal, com o crescimento da população idosa, a amizade ganha importância.

Madalena e Maria dos Anjos, de 80 e 79 anos, respetivamente, passeiam sempre pela chamada Costa do Sol. Afinal, nasceram nesta zona. No entanto, têm um carinho especial pelo Estoril. Estudaram juntas, riram e choraram, mas também fizeram muitas tropelias. Por isso mesmo, acreditam que conhecem a linha de Cascais como ninguém. Hoje, estão reformadas e têm filhos e netos (e esperam ver os bisnetos nascer) e insistem que estão “demasiado velhas para aparecer no jornal”, mas não deixam de sorrir e lembrar os tempos que consideram “áureos”.

“Éramos umas miúdas e fazíamos aquilo que queríamos. Estivemos presentes em todos os momentos. Eu na vida dela e ela na minha”, começa por dizer Madalena, sob o olhar atento da amiga Maria dos Anjos. “Sim, é verdade. Ainda me recordo do primeiro desgosto amoroso dela!”, diz a segunda, rindo. “A verdade é que não viveríamos uma sem a outra. Às vezes acho que não tenho paciência para ouvi-la, mas estou a brincar quando lhe digo isso”, garante a mais velha. “A nossa amizade é muito forte e acredito que estaremos juntas até ao fim. Até morrermos mesmo!”, diz uma e a outra apressa-se a concordar.

Ainda que não seja tão falada quanto a amizade nas outras fases da vida, a amizade na terceira idade desempenha um papel vital no bem-estar emocional, mental e físico dos idosos. A manutenção de laços sociais fortes pode proporcionar inúmeros benefícios, incluindo a redução do risco de depressão, a melhoria da saúde física e o aumento da longevidade. Tal deve ser especialmente estudado em Portugal, na medida em que, há duas semanas, foi divulgado que o nosso país, juntamente com a Itália, é uma das nações da União Europeia com a maior proporção de população idosa, com quase dois idosos para cada jovem, conforme revelado pela PORDATA.

Sabe-se que, desde 2019, a população idosa em Portugal tem crescido a uma taxa superior a 2% ao ano e o número de centenários já ultrapassou os 3.000, de acordo com os dados divulgados no Dia Mundial da População. “A população em Portugal está a envelhecer”, destacou a plataforma de estatística, observando que a idade média subiu de 38,5 para 47 anos nos últimos 20 anos.

E a solidão pode ser um problema significativo para os idosos, especialmente aqueles que vivem sozinhos ou longe de familiares. A amizade oferece suporte emocional e reduz sentimentos de isolamento. A pesquisa publicada no Journal of Aging and Health descobriu que idosos com redes sociais fortes relatam menos solidão e maior satisfação com a vida. Segundo o site oficial do SNS 24, um estudo que abrangeu mais de 1.200 indivíduos com idades entre os 50 e 101 anos revelou dados interessantes sobre a solidão nessa faixa etária.

Os resultados mostraram que 20,4% das mulheres e 7,3% dos homens relataram sentir-se solitários. A análise também indicou que pessoas com menor nível de escolaridade são mais propensas a experienciar solidão, com 25,8% desse grupo a relatar tal sentimento. O estudo destacou ainda que a solidão tende a aumentar com a idade: apenas 9,9% das pessoas entre 50 e 64 anos relataram sentir-se solitárias, enquanto esse número saltou para 26,8% entre aqueles com 85 anos ou mais. Além disso, o estado civil também desempenha um papel significativo: a solidão foi mais frequente entre os viúvos (30,6%) e solteiros (15,8%) em comparação com as pessoas casadas, das quais apenas 9,2% relataram sentir-se solitárias.

Neste campo, importa também referir que investigadores do Instituto Regenstrief e da Faculdade de Medicina da Universidade do Indiana, nos EUA, descobriram que a solidão é pior para os idosos do que o alcoolismo, a obesidade e o consumo de até 15 cigarros por dia. Este estudo, publicado no Journal of the American Geriatrics Society, este ano, sugere que os médicos de cuidados primários poderiam estar na vanguarda do combate a esta epidemia silenciosa. As descobertas destacam que 53% dos adultos mais velhos que visitam unidades de cuidados primários relatam sentir-se solitários. Esses sentimentos impactam significativamente a saúde física e mental, reduzindo a qualidade de vida geral.

Os dados do estudo foram recolhidos durante a pandemia de COVID-19, que ampliou a tendência já crescente de solidão entre os idosos. Os dados para o estudo foram recolhidos a partir do ensaio clínico Caregiver Outcomes of Alzheimer’s Disease Screening (COADS), indicando uma necessidade premente de intervenções que visem a solidão antes e depois desta crise de saúde global. Este estudo não só esclarece as profundas implicações da solidão na saúde e no bem-estar dos idosos, mas também enfatiza o papel crítico que os profissionais de cuidados primários podem desempenhar na mitigação deste problema.

Mas voltemos aos amigos, pois a amizade pode proporcionar um sistema de apoio emocional, ajudando a prevenir ou reduzir sintomas de depressão e ansiedade. Um estudo publicado na Psychology and Aging mostrou que idosos com amizades próximas têm menores níveis de depressão e ansiedade em comparação com aqueles com redes sociais limitadas. Os amigos podem ajudar-se mutuamente com tarefas diárias, transporte e cuidados de saúde, proporcionando um apoio prático além do emocional. Um estudo publicado no Journal of Gerontology indica que o apoio prático entre amigos contribui para a autonomia e independência dos idosos.

Manter amizades pode incentivar os idosos a envolverem-se em atividades físicas e recreativas, que são benéficas para a saúde física. Um estudo da American Journal of Public Health encontrou uma correlação positiva entre amizades fortes e níveis mais altos de atividade física entre idosos. Uma prática que tem vindo a ganhar fama crescente entre os idosos, e que já foi abordada pela LUZ, é o Walking Football. Constitui uma versão adaptada do futebol tradicional, criada para permitir a participação de pessoas mais velhas ou com mobilidade reduzida de forma segura. Em vez de correr, os jogadores devem andar, o que reduz o risco de lesões e torna o jogo acessível a todos. Originado no Reino Unido em 2011, o Walking Football surgiu como uma alternativa para promover a atividade física e a socialização entre idosos.

Para além destas vantagens, estudos sugerem que a manutenção de fortes laços sociais está associada a uma maior longevidade. Relativamente à manutenção cognitiva, as interações sociais regulares podem ajudar a manter a mente ativa e retardar o declínio cognitivo. Uma pesquisa publicada no American Journal of Alzheimer’s Disease & Other Dementias mostrou que idosos engajados socialmente têm um risco reduzido de desenvolver demência.

A importância de facilitar a amizade na terceira idade deve igualmente ser abordada. Os centros comunitários e programas voltados para idosos podem facilitar oportunidades de socialização, ajudando a formar e manter amizades. Clubes de leitura, grupos de caminhada e aulas de artes são exemplos de atividades que promovem a interação social entre idosos.

Por outro lado, os chamados “ambientes de vida partilhada ou assistida” podem proporcionar um contexto onde as amizades podem florescer naturalmente, oferecendo muitas oportunidades para interações sociais diárias. Uma pesquisa no Journal of Housing For the Elderly mostrou que idosos em ambientes de vida assistida relatam níveis mais altos de satisfação social e bem-estar emocional. Em Portugal, existem estruturas residenciais deste tipo. como as Casinhas Autónomas do Pinhal ou as estruturas residenciais para idosos da Cáritas Diocesana de Coimbra.