Não há maior cego do que o que não quer ver

Direito de resposta.

José António Saraiva (JAS) escreveu uma crónica na LUZ, revista do jornal Nascer do SOL, no dia 19 de julho de 2024, intitulada Omo lava mais branco, em que me visava de modo depreciativo. Não é a primeira vez que o faz. Na edição daquele jornal, de 10 setembro 2022, dizia, referindo-se a mim, que «já é mais estranho que pertença – ou tenha pertencido – ao gabinete do primeiro-ministro, tendo em conta que esse é um lugar político e Portugal apoia ativamente a Ucrânia e condena veementemente a invasão russa». JAS tem de dizer quando é que isso aconteceu. Essa colocação não consta da minha nota de assentos.

Prosseguindo, JAS disse que o Almirante Viktor Sokolov, comandante da esquadra russa do Mar Negro «sumiu-se», na sequência de um ataque ucraniano ao quartel-general da frota, em Sebastopol: «Nunca mais apareceu». «Estará escondido?», insinuando ter eu dado uma informação errada sobre o resultado do ataque ucraniano. Sokolov deu uma entrevista em frente às câmaras, em Sebastopol, no contexto dos rumores sobre a sua morte. Em 2 de abril de 2024, foi substituído no cargo de comandante da frota pelo almirante Sergei Pinchuk. Estes dois exemplos dão boa conta da qualidade do debate que se pode ter com JAS. Errou, mentiu e enganou os leitores. O que o motivou a fazê-lo? Não tenho resposta.

JAS colabora na difusão da agenda ucraniana. Não é isento, como se esperaria de uma pessoa com o seu passado e com as suas responsabilidades. Já que consome uma dose considerável da sua energia a desmontar as minhas intervenções, sugiro-lhe que dedique alguma dela a comentar declarações como as de Ursula von der Leyen, quando disse que os russos desmontavam máquinas de lavar para lhes retirar os chips para fazerem mísseis, ou, no âmbito dos comentadores domésticos, pérolas como a «aprendizagem do manuseamento de Kalashnikov, é feita através da Wikipedia», «foi graças a Shoigu que os soldados russos têm peúgas», «a rendição em Mariupol foi uma vitória estratégica para Zelensky», ou «a Rússia não consegue aguentar uma guerra intensa durante meses», etc. Porque é que JAS nunca comentou estas lucubrações? Acha-as razoáveis?
Da referida crónica, há três afirmações que pela sua falsidade não posso deixar de contestar. Segundo JAS, «No caso do hospital pediátrico em Kiev atingido por um míssil, [eu] garantia que se tratava de um erro ucraniano. E acrescentava que não fora atingido o hospital, mas sim uma ala, pois a fachada estava intacta. O facto de terem morrido 38 pessoas, entre as quais 4 crianças, não lhe [a mim] interessava muito». JAS insinuou e escreveu o que eu não disse. Nunca referi a palavra ‘ala’ nem disse que a fachada estava intacta. Pode consultar o site da CNN Portugal, mas vou relembrá-lo do que disse.

O edifício do hospital não foi atingido pelo impacto direto de um míssil, mas sim um pequeno edifício nas proximidades, a unidade toxicológica n.º 3, que não é uma ala do hospital. Os 38 mortos indicados pelos ucranianos, não ocorreram no hospital, mas no conjunto dos ataques russos às instalações da Artyom, as infraestruturas do complexo industrial militar ucraniano situadas a cerca de 1km do hospital.

Se soubesse distinguir um obus de uma peça de artilharia, JAS saberia que um míssil russo Kh-101 (conforme é alegado pelos ucranianos) com um payload de 450 kg teria feito desaparecer o edifício da unidade toxicológica, e não destruído apenas uma pequena parte. A fachada do edifício principal do hospital, ao contrário do que JAS disse que eu disse, foi atingida por estilhaços da espiral de fragmentação do míssil que atingiu o edifício 3. A confiança cega e acrítica nas fontes ucranianas torna JAS incapaz de interpretar e ouvir os argumentos que aduzi.

Já agora relembro JAS do caso do ‘míssil russo’ que caiu na Polónia e afinal era ucraniano, o que levou Biden a mandar Zelensky calar-se. Ou o outro ‘míssil russo’ que caiu em Kostiantynivka e que o NYT veio dizer que as «evidências sugerem que um míssil ucraniano causou a tragédia no mercado». Em ambos os casos fui dos poucos comentadores que desde o início não alinharam com as primeiras notícias, investigaram e concluíram que as versões inicialmente propaladas não eram corretas, como se veio a confirmar: JAS foi, mais uma vez, vítima da desinformação ucraniana.
Sobre a atual situação económica da Rússia muito haveria para dizer. Três notas apenas: (1) o objetivo de colocar a economia da Rússia de rastos não se concretizou; (2) apesar de ser o país mais sancionado do mundo, a economia da Rússia cresceu 3,6% em 2023, e 5,4% no primeiro trimestre deste ano face ao mesmo período de 2023. Segundo o Banco Mundial, em 2023, o PIB (PPC) da Rússia ultrapassou o do Japão e da Alemanha tornando-se a quarta maior economia mundial; (3) Segundo último relatório do World Economic Outlook do FMI, a economia da Rússia deverá crescer 3,2% em 2024, superando as taxas de crescimento projetadas para os EUA (2,6%) Reino Unido (0,7%), Alemanha (0,2%) e França (0,9%)”.

Talvez a sageza de JAS o leve a acusar o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial de serem ‘pró-Putin’ e como tal fontes não idóneas. E, já agora, ponha algum dos seus funcionários a procurar onde é que Putin, ou outro alto funcionário russo, afirmou que ia «conquistar a Ucrânia em 5 dias».

Até o establishment norte-americano já percebeu a situação catastrófica em que se encontra a Ucrânia, um país sem futuro. Está de rastos economicamente (apesar da ajuda internacional vai entrar em default), socialmente (tinha 40 milhões de habitantes no início da guerra e agora só tem 29, mais de 300 mil amputados como afirmou a mulher de Zelensky, 42 mil desaparecidos, um significativo número de desertores, na ordem de dezenas de milhar (https://www.publico.pt/2024/07/21/mundo/noticia/novas-regras-mobilizacao-ucranianos-pagam-fugir-guerra-2098233), etc.), com o tecido industrial e as infraestruturas energéticas destruídas.

JAS recorre ao costumeiro torpe e desonesto truque de colocar rótulos. Branco é abertamente ‘pró-Putin’. Errou o alvo. O que nos separa é o facto de JAS não fazer uma abordagem equilibrada dos acontecimentos e defender acriticamente a causa ucraniana, escolher seletivamente os acontecimentos, esquecer os que considera inconvenientes, e prestar-se a contorcionismos retóricos ridículos. Se há aqui um branqueador ele chama-se JAS, que colabora ativa e persistentemente na desinformação, negando-se a aceitar que mesmo com a ajuda do ocidente, a Ucrânia nunca terá hipótese de derrotar a Rússia. Isto é ser realista, não é ser pro-Putin.

O preço que pago por falar verdade é ser denegrido por JAS e por outros que, como ele, defendem acrisoladamente o regime ucraniano. Enquanto eu invoco factos, que JAS não consegue contradizer, JAS recorre à mentira e, como muitos outros, a ataques pessoais visando denegrir a minha imagem. O truque costumeiro de gente fraca que recorre sistematicamente a conversa falaciosa.

Por ter convivido in loco com os horrores da guerra sei o que ela custa, algo que JAS não sabe. Só a conhece por aquilo que lhe mostram na televisão. Perdeu na sua juventude uma boa oportunidade de saber o que é a guerra. Em vez de ter ido para a Escola Superior de Belas Artes, podia ter marchado até África combater, como foi a maioria dos jovens da sua idade. Por isso, fui e sou contra esta e outras guerras e a favor da paz. Sempre alertei para o desastre que está a acontecer, a calamidade e o custo humano, social e económico para a Ucrânia.

A estratégia de defender a Ucrânia até ao último ucraniano, que tem muitos adeptos, assenta numa premissa: desde que sejam os ucranianos a morrer e não sejam os filhos ou os netos de JAS. Se JAS tivesse batido com os costados na guerra provavelmente pensaria de outra maneira e teria outra sensibilidade para avaliar o que está a acontecer. É fácil falar de barriga cheia.

JAS já não tem o vigor daqueles tempos em que as suas incontornáveis crónicas nos prendiam a atenção e eram de leitura obrigatória. O JAS de hoje confunde factos, erra e, como não se prepara, inventa. Os termos em que JAS redigiu a sua crónica levantam-me várias interrogações, a principal delas prende-se com a sua honestidade intelectual. Interrogo-me se os seus ‘enganos’ não terão sido deliberados. JAS vive num estado de negação, feliz e confortável com a mentira organizada. Não tem de questionar as suas ‘verdades’. Também nesta matéria estamos em campos opostos.

Major-general, especialista em assuntos militares