Entre os dias 23 e 25 de Julho, Luís Montenegro lá foi à Montanha, ou seja, a Angola. Note-se que não foi Maomé que se dispôs a vir a Portugal. João Lourenço permaneceu instalado no seu trono, e recebeu o primeiro-ministro de Portugal com benevolência condescendente. A primeira conclusão, que não é novidade para ninguém, é que Portugal precisa mais de Angola do que Angola de Portugal.
A visita, claro, foi justificada pela necessidade de olear as relações entre a ex-metrópole e a ex-colónia, algo gripadas desde 2013. Neste ano, a Justiça portuguesa abriu um processo contra Manuel Vicente, vice-presidente de Angola, homem riquíssimo e poderoso, por suspeitas fundadas de várias fraudes e prevaricações. Manuel Vicente recusou-se a comparecer perante um Tribunal português, e achincalhou a Justiça cá de casa. Não esteve com meias medidas: exigiu que o processo fosse encaminhado para Angola, onde, dada a sua posição e poder, estaria imune a qualquer condenação. Portugal, coitado, resistiu durante dez anos: mas em 2023 o Ministério Público vergou a cerviz e transferiu o processo para Luanda. Aparentemente, o caso morreu, mas com consequências, como veremos. E, enquanto durou, José Eduardo dos Santos, então ainda Presidente angolano, retaliou suspendendo uma parceria estratégica que estava em vigor entre os dois países (Raquel Abecasis).
Note-se que já em 2019 o nosso Presidente da República tinha realizado a sua própria peregrinação a Angola, numa urgente demonstração da amizade irrefragável que Portugal nutria pelo principal membro dos PALOP. Mas o desforço foi inútil; não serviu para recompor as relações entre Lisboa e Luanda, que continuaram tensas e frias. Estava-se em 2019, como disse, e a deslocação do nosso Presidente da República nada consertou ou melhorou: o processo de Manuel Vicente continuava e continuou nas gavetas do Ministério Público português.
A transferência do processo para Angola, ou seja, a abdicação do Estado português, resolveu tudo. Montenegro lá voltou à Montanha com o caminho desimpedido, onde João Lourenço, muito comodamente instalado, concedeu afavelmente receber o primeiro-ministro português com amizade e simpatia… Luís Montenegro regressou radiante, convencido de que a «visita a Angola abriu um novo ciclo na relação entre os dois países». Não abriu, ou melhor, abriu se Luanda quiser. Os governantes portugueses ainda não compreenderam que entre Angola e Portugal se estabeleceu, gradualmente, insidiosamente, uma espécie de inversão das coisas. Caricaturando: Portugal passa a colónia de Angola, e Angola passa a metrópole de Portugal. Todas as caricaturas exageram, mas contêm um fundo de verdade.
Toda a conversa sobre o amor aos PALOP – onde se inclui a Guiné Equatorial, que nunca foi uma colónia portuguesa e onde ninguém fala português! – não passa de uma tentativa de nos retratarmos como um país que excede o exíguo rectângulo peninsular que nos coube em sorte; não passa de uma tentativa de agregar símbolos da nossa grandeza imperial de há vários séculos atrás. Os PALOP são uma tentativa patética de imitar o Commonwealth britânico. Os tempos mudaram, e o mundo também. As nossas ex-colónias, que foram sempre pobres e mal colonizadas, estão hoje em dia muito mais viradas para se integrarem nos BRIC’s (Brasil, Rússia, Índia, China) do que para explorarem o Atlântico. Os PALOP não fazem, atualmente, qualquer sentido, e o mais sensato seria acabar com esta farsa neo-colonial.
Historiadora