As democracias da alternativa única

Os trumps e as polarizações são consequências e reações normais perante a emergência de um novo totalitarismo.

A democracia está a apodrecer e o diagnóstico das causas está errado. Os trumps e as polarizações são consequências e reações normais perante a emergência de um novo totalitarismo.

Três evidências: a democracia liberal transformou-se de modo radical num sistema de alternativa única, a maioria dos média são agências de propaganda dessa alternativa única e as pessoas vivem ao ritmo da dívida e do crédito.

Stuart Mill legou-nos uma bela e ultrapassada definição de liberalismo. Uma das características mais notáveis da nossa história seria a luta entre liberdade e autoridade. O liberalismo seria a doutrina que teria no seu núcleo fundamental a ideia de liberdade e a luta contra todas as formas de tirania. Esse seria um dos fatores que identificaria sempre o liberalismo com a democracia (Hoje sabemos que se pode viver num sistema liberal e este não ser democrático). A tirania seria representada pelo absolutismo monárquico, a dogmática das religiões, e mais tarde, as ideologias totalitárias. Mas o liberalismo tornou-se ele próprio totalitário. Primeiro porque se tornou um fenómeno social total, não há só liberalismo político, nem económico, esta ideologia impregna todas as esferas da nossa vida. A política deve ser liberal, o Estado deve ser liberal, o tipo de família, a educação, as universidades, as regras, os valores, a cultura, a imprensa, as organizações e até os nossos objetivos de vida devem ser liberais.

A ideia do liberalismo como guardião exclusivo da liberdade é falsa, muitos movimentos e mundividências políticas têm a liberdade em lugar central, como é o caso, por exemplo, do republicanismo e do conservadorismo anglo-saxónico e recuando no tempo, até a escolástica, só para referir alguns exemplos.

Mas entremos nas características tirânicas daquilo em que o liberalismo se tornou. O liberalismo defende a liberdade, mas nas democracias liberais não sou propriamente livre para escolher não ser liberal, pois as consequências são dolorosas, serei desqualificado como iliberal, perderei a credibilidade e rotulado como defensor de extremismos de direita e dos fascismos. Se não sou liberal, tenho a reputação arruinada. Imaginemos hoje um político, um jornalista ou um intelectual, apresentar-se como iliberal, será de imediato classificado como um inimigo da liberdade e da democracia. O significado da liberdade tem agora um só sentido, ser liberal. Encontramos esses processos maniqueístas no comunismo soviético, que não admitia alternativas e considerava também que a economia era a conquista para a derradeira liberdade absoluta. As semelhanças de métodos são muitas, como o uso dos média para propaganda e como instrumento de destruição dos adversários e dos dissidentes. Vejam-se como as democracias liberais utilizam o conceito de ‘desinformação’, de notícias falsas, de discurso do ódio, para destruir a credibilidade do adversário. Esses conceitos e técnicas foram importados da União Soviética para a gestão do Estado na proteção da versão oficial como a única admissível. Também como no comunismo, estamos perante um sistema que se apresenta como sem alternativa e os adversários que não os produzidos pelo sistema são expostos como o regresso inaceitável de forças obscuras e que provocarão o caos e o inferno. l