Uma revolução conservadora

Será que uma vitória de Trump anuncia uma mudança radical na política norte-americana?

A Revolução Conservadora na Alemanha 1918-1932 foi a tese de doutoramento do suíço Armin Mohler, publicada em 1950. O livro foi um êxito e tornou-se um trabalho fundamental para entender uma verdadeira galáxia de autores, movimentos, grupos e associações de uma área política pouco conhecida e amiúde mal interpretada.

A obra foi criticada por alguns como uma amálgama que criava um movimento que nunca tinha acontecido de facto, mas na verdade analisava de uma forma original um fenómeno complexo e, por vezes, paradoxal como a sua própria designação. O termo Revolução Conservadora foi usado por algumas das principais figuras deste movimento nacionalista e conservador, de inspiração ideológica anti-iluminista, que teve o seu auge na Alemanha do início do século XX. Opunha-se à vigente República de Weimar, bem como à ameaça bolchevique. Na sua maioria, os seus teóricos opunham-se igualmente ao nacional-socialismo e, com a chegada de Hitler ao poder, o fenómeno foi suprimido.

A Revolução Conservadora seria uma inspiração directa para a chamada Nouvelle Droite, nascida em França na década de 70 do século passado, ou do actual movimento identitário, mas o termo, na sua junção de aparentes contrários, é útil para entender novas realidades políticas que se formam.

A escolha de J.D. Vance como candidato a Vice-Presidente dos EUA, ao lado de Donald J. Trump, não espantou os mais atentos. Afinal, o autor de Hillbilly Elegy: A Memoir of a Family and Culture in Crisis, que em português recebeu o título Lamento de uma América em Ruínas – Memórias de uma Família e de uma Sociedade em Crise, publicado originalmente em 2016 e adaptado ao cinema por Ron Howard em 2020, tinha encantado os seus compatriotas e também muitos estrangeiros com a sua all American story, uma autobiografia de quem veio de muito baixo e vingou na vida. Na sua nomeação, muitos opositores recordaram as suas críticas passadas a Trump, mas estas eram antes um dos seus trunfos. Vance aparecia como um jovem promissor, uma esperança renovada para a América das classes trabalhadoras das zonas empobrecidas pela desindustrialização.

À esquerda, soaram os alarmes porque se considera que Vance entra num terreno eleitoral que não lhe pertence. Ora, se na eleição de Trump em 2016 essas fronteiras já não faziam sentido, hoje ainda menos. O Partido Republicano está numa clara via de alteração ideológica e Vance surge como um continuador de Trump nesta senda.

Nesta reconfiguração, no plano social, realçam-se os valores tradicionais, sejam os da família ou da religião, como base de uma ordem hierárquica. No plano internacional há uma alteração importante, nomeadamente na defesa de um cepticismo quanto ao intervencionismo externo, que se conjuga com uma postura extremamente agressiva nas intervenções necessárias, além de um distanciamento de organismos internacionais e da chamada “elite globalista”.

No plano económico, mesmo não pondo em causa os fundamentos da ordem neoliberal, há uma valorização do papel do Estado na condução da economia, especialmente no que respeita à soberania nacional ou à segurança do Estado.

Um exemplo desta alteração é a influência de Oren Cass, o trumpista que fundou o think tank American Compass. Este antigo conselheiro do candidato republicano Mitt Romney, defende a intervenção pública, a assistência social e o proteccionismo, rompendo com o dogma de menos governo e comércio livre sem limites. Ao mesmo tempo que defende a afirmação do Estado na economia, o reforço dos sindicatos e o aumento dos abonos de família, posições habitualmente atribuídas à esquerda, opõe-se determinantemente à imigração e às importações da China, propondo um aumento de tarifas aduaneiras.

Por fim, o aspecto mais importante. No plano tecnológico, Vance abre uma via directa para o Silicon Valley. Esse centro do mundo digital, considerado como um protectorado progressista e woke, está igualmente num processo de alteração e figuras como Elon Musk ou Peter Thiel são as mais conhecidas desta viragem num dos mais importantes centros mundiais do poder.

Será esta a hora do tecnotradicionalismo? Um belo termo para uma revolução conservadora.