Recentemente o Governo anunciou uma pretensa reforma do dispositivo operacional das Forças de Segurança (PSP e GNR), que, aliás, terá levado a exoneração do anterior Diretor Nacional da PSP.
Mas antes de avançarmos sobre o que desconhecemos, pois até ao momento são desconhecidas as orientações políticas para essa reforma, importa que nos debrucemos sobre o que até aqui já foi realizado nos últimos 50 anos de regime democrático.
Falhado o processo de fusão entre a PSP e a GNR, que se havia iniciado após o 25 de Abril, a manutenção do sistema dual implicou a reorganização dos dispositivos de ambas as forças. A litoralização e urbanização acentuadas do território provocaram uma avalanche de pedidos para reforço e/ou criação de novos postos e esquadras da PSP (DL 325/79 e Portaria 530/91), no entanto, esta não dispunha dos recursos humanos para satisfazer as pretensões dos autarcas e das populações. No início dos anos 80 o Ministério da Administração Interna assumiu que o Policiamento das ‘grandes zonas metropolitanas’ deveria ser da competência exclusiva da PSP, assumindo-se como prioritária a reestruturação dos dispositivos na Grande Lisboa e no Grande Porto (Portaria n.º 153/83), cujas áreas se passariam a situar na zona de ação da PSP, objetivo ainda não concretizado.
Já antes se havia definido que a competência territorial nas Regiões Autónomas deveria manter-se na PSP, não se justificando nas mesmas a manutenção de um sistema dual.
No início dos anos 90 iniciou-se a reforma, mais conhecida pela criação das Superesquadras, mas na qual foi assumido politicamente que a PSP ficaria responsável pelas capitais de distrito e pelas localidades com mais de 20000 habitantes. Tal implicou a passagem, nessa década, de 29 localidades para a responsabilidade da GNR, número que não foi superior pela alteração do ciclo político que susteve os encerramentos planeados e a reabertura das Esquadras nas localidades com mais de 10000 habitantes.
Em 2007 foi operada nova reforma, cuja principal motivação foi terminar com as freguesias partilhadas e assegurar a continuidade territorial. A PSP perdeu 7 localidades, mas mantiveram-se mais de 40 freguesias partilhadas, situação que se agravou em 2013, com a reorganização administrativa das freguesias, sem que tal implicasse um reajustamento dos dispositivos.
Ora, até aos dias de hoje não são conhecidos do público quaisquer estudos que permitam avaliar o impacto das reformas efetuadas, no prisma das políticas públicas de segurança, nem tão pouco conhecer a justificação dos critérios então adotados e, pasme-se, já se fala numa nova vontade de reformar.
Em França, a Polícia Nacional detém competência exclusiva nas localidades com mais de 20000 habitantes (eram 10000 até ao final dos anos 90), estando a ser equacionada a alteração legal para que a Gendarmeria assuma obrigatoriamente as localidades com menos de 20000 habitantes e a Polícia Nacional as localidades com mais de 40000 habitantes, sendo os casos intermédios decididos em articulação com os autarcas.
Com efeito, a dimensão geográfica e demográfica das nossas cidades não se equipara à realidade francesa, apesar de em ambos os países competir à polícia a segurança de apenas 5% do território, mas de mais de 50% da população, com a diferença que lá existem 2 polícias por cada gendarme. Mas se por lá são inúmeros os estudos públicos sobre as reformas, por cá andámos de reforma em reforma a transformar uma polícia nacional numa ou duas polícias metropolitanas…
Há que pensar bem antes de avançarmos para reformas que nos conduzam ao sítio de onde partimos, ou pior, que agravem os problemas estruturais que já existem.
Comissário, vice-presidente do Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia