Uma alegria muito portuguesa, pois então. Seis atletas seguiram para Estocolmo para participarem nos Jogos Olímpicos de 1912. A estreia de Portugal nas olimpíadas! Estranhamente, ou talvez não, o Estado esteve-se nas tintas. E foi preciso recorrer à imaginação para que a delegação nacional pudesse viajar. Eram para ser dez, mas nem um Sarau realizado no Coliseu dos Recreios, a 22 de Junho de 1912, conseguiu angariar meios para que os outros quatro integrassem a embaixada. E assim, no dia 26, embarcaram no paquete Astúrias António Pereira, António Stromp, Armando Cortesão, Fernando Correia, Francisco Lázaro e Joaquim Vital. Longa viagem tiveram pela frente. Primeiro atracaram em Southampton, depois tomaram o comboio para Londres, de Londres novamente de comboio até Harwich onde apanharam um pequeno vapor até Esbjerg, na Dinamarca. Mais um barco para chegarem à Suécia, por_Malmö, e outro comboio até Estocolmo. Chegaram a tempo. Os Jogos só foram inaugurados pelo rei_Gustavo V no dia 6 de Julho. E_Francisco Lázaro, a grande esperança lusitana para uma medalha, na maratona, desfilou na frente da equipa lusitana erguendo orgulhosamente a bandeira da jovem República.
António Pereira e Joaquim Vital (os jornais da época grafavam Victal) disputaram as provas de luta greco-romana, respetivamente em peso-pluma e em peso-médio._O primeiro perdeu com Lauri Haapanen, da Finlândia, e com Georg Andersson, da Suécia, vencendo o britânico George MacKenzie; o segundo foi derrotado por Zavirre Carcereri, da Itália, e por Alfred Asikainen, da Finlândia, conseguindo vencer Adrien Barrier, da França. Ficaram-se por aí. Fernando Correia entrou nas provas de esgrima, modalidade de espada, e ainda se bateu com seis adversários, sendo desqualificado ao fim da primeira ronda de resultados. António Stromp, futebolista e velocista do Sporting, foi eliminado logo na primeira série dos 100 e dos 200 metros. O mesmo aconteceu a Armando_Cortesão, natural de São João do Campo, Coimbra, e que viria a tornar-se um conhecido cartógrafo e historiador, nos 400 e 800 metros. Da tragédia de Francisco Lázaro falarei mais adiante.
Jim Thorpe e as nadadoras britânicas
Portugal foi uma das 28 nações que se fizeram representar, num total de 2.408 atletas, 48 dos quais mulheres. Algo de revolucionário, é preciso convir. Além disso abriram competições artísticas, algo que fez particularmente feliz o Barão de Coubertin que sempre insistiu para que isso acontecesse, à moda da Grécia Antiga. Houve, portanto, medalhas para arquitetura, música, pintura, escultura e literatura, sendo que nesta modalidade o ouro foi, quem haveria de dizer!, para o francês Pierre de Frédy, nem mais nem menos do que o próprio Barão de Coubertin, graças à sua Ode ao Desporto, escrita em alemão e em francês, e que começava assim: «Ô Sport, plaisir des Dieux, essence de vie, tu es apparu soudain au milieu de la clairière grise où s’agite le labeur ingrat de l’existence moderne comme le messager radieux des âges évanouis, de ces âges où l’humanité souriait». Tal como disse, certa vez, o rei Eduardo III de Inglaterra, na sua língua da corte, que era precisamente o francês, no momento em que a jovem Jeanne de Kent, Condessa de Salisbury, deixou cair distraidamente a sua jarreteira «Messires, honi soit qui mal y pense!».Por isso, nada de tecer comentários desadequados à medalha olímpica do Barão, o mentor dos Jogos da Era Moderna.
Estocolmo foi uma cidade de novidades e, também pela primeira vez, foi possível aos mesmos atletas participarem no decatlo e no pentatlo, já que houve dias necessários de intervalo entre as duas competições. E foi deste modo que o norte-americano Jim Thorpe, medalha de ouro em ambas as modalidades, ouviu da boca do rei Gustavo V o elogio: «Você é o melhor atleta do mundo!». James Francis Thorpe, baptizado catolicamente como Jacobus Franciscus Thorpe, nasceu em Maio de 1887 nos chamados Territórios Índios, numa zona que se situa hoje no Estado do Oklahoma. Pertencente às tribos Sauk e Meskwaki, tornou-se no único nativo americano a conquistar uma medalha até então, o que não o impediu de, depois de fazer carreira no futebol americano, morrer desgraçadamente agarrado ao álcool. Em 1913, as medalhas da maior figura dos Jogos de Estocolmo, foram-lhe retiradas pelo Comité Olímpico Internacional exatamente porque ele se tinha tornado um profissional, primeiro do basebol e, depois, do futebol. Algo que terá ajudado à depressão que o atirou para os gargalos das garrafas de whisky. Vamos e venhamos: a condenação foi ridícula, ainda por cima porque Thorpe nunca fora profissional de coisa nenhuma antes das vitórias retumbantes no decatlo e no pentatlo. O assunto fez correr muita tinta, acabou por cair no esquecimento até que, em 1982, os doutores do desporto olímpico refizeram justiça. No ano seguinte, os netos de Jim receberam novas medalhas em nome do avô que entretanto tinha morrido.
Outra introdução revolucionária foi a da medição do tempo de forma eletrónica. Por outro lado, houve a intenção de fazer disputar alguns desportos tipicamente nórdicos, como o ski, a patinagem no gelo e o corta-mato – e muito provavelmente por causa disso a Suécia aboletou-se com o maior número de medalhas no geral, 65, embora os_Estados_Unidos tenham ganho mais de ouro – 26. Ainda ninguém podia adivinhar que, por causa da I Grande Guerra que haveria de consumir a Europa, os Jogos Olímpicos seguintes só seriam em 1920, em Antuérpia. Melhor. Não havia ainda esse fantasma a pairar nas cabeças dos competidores e o clima foi de festa generalizada, até em redor de desportos somente de exibição como o basebol, o glima (uma espécie de luta livre islandesa) e os três jogos da ilha de Gotland, pärk, varpa e stångstörtning, todos parecidos com variedades da petanca.
Com as portas abertas, finalmente, as mulheres participaram em provas de natação, de mergulho, de ginástica e no ténis. Várias delas ficaram com os seus nomes marcados na história, sobretudo as nadadoras Daisy Curwen, da Grã-Bretanha, recordista do mundo dos 100 metros livres, as australianas Fanny Durack e Mina Wylie, e outra britânica, Jennie Fletcher. No entanto, não deixou de haver momentos de escândalo. Os juízes quiseram pôr um ponto final nas provas de natação e de mergulho porque os fatos de banho das atletas da Grã-Bretanha tornavam-se transparentes depois de molhados e criavam um bruaá bem audível no público que rodeava o complexo das piscinas de Djurgårdsbrunnsviken. Foi preciso encontrar uma solução para acabar com manifestações tão impudicas e passou a haver sempre uma mulher pronta para enrolar com toalhas as nadadoras e as mergulhadoras do lado de lá da Mancha quando saíam da água. Para desilusão de muitos, imagino.