O ALEMÃO QUE NÃO É ALEMÃO

Schmidt pode não saber dizer bom-dia em português mas tem a mentalidade infeliz de um portuguesinho pouco valente. Não lhe chamem Roger – chamem-lhe Rogério

Diz-nos a História Universal que um alemão derrotado é um alemão morto. Está-lhes no sangue. Sobrevivem até à última bala, até à derradeira granada, foi desta forma que se ergueram das cinzas de duas Grandes Guerras que os deixaram de rastos, voltando a ser grandes depois de cada uma delas. Calhou ao Benfica ter um treinador alemão que só foi alemão durante seis meses, seis meses que nos surpreendeu com a arrogância de um futebol perseverante e conquistador, diferente do que tínhamos visto até então. Em seguida, aburguesou-se. Ou pior, aportuguesou-se. No pior sentido do termo. É um indivíduo sem chama, sem alma, contentinho com a sua vida-vidinha de ir perdendo arranjando desculpas para as derrotas. Confesso que nada nele me espanta. No último número do Sol escrevi numa expectativa ao jogo de Famalicão e da época que agora começou: Comprou o Benfica, ao que parece, um ponta-de-lança que faz golos e só isso muda ligeiramente o paradigma da época passada quando tinha pontas-de-lança que não os faziam. Mas, de resto, nada parece alterar-se na filosofia de uma equipa que andou a arrastar-se deprimentemente no campeonato passado, sujeitando-se a humilhações contínuas. Duas insistências, incompreensivelmente teimosas, parecem, a meu ver, fazer com que tudo vá ficar mais ou menos na mesma: uma em manter o treinador Roger Schmidt, que deixou de ter a confiança dos adeptos, e que ao primeiro resultado negativo, será de novo alvo de protestos com os quais não sabe lidar, entrando em descontrolo; outra em apostar no regresso de Di María, um daqueles jogadores que amua se não jogar os 90 minutos de todos os jogos numa fase da vida em que não pode nem jogar 45 minutos de metade dos jogos. O ano passado entrou pelos olhos dentro que Schmidt não tem autoridade sobre o argentino e que, pelo contrário, faz tudo aquilo que ele quer (e se isso provocar a saída de Neres o tiro no pé será ainda mais doloroso). Di Maria foi um dos grandes desequilibradores da equipa, no sentido negativo, com um número inusitado de perdas de bola e com uma incapacidade total de defender (nem que seja ocupando espaços) que não compensaram nem de perto nem de longe algumas habilidades e os seus 17 golos. Também não houve por parte dos responsáveis vontade de reforçar o centro da defesa onde Otamendi exibe 36 anos (tal como Di María) e António Silva caiu numa estagnação manifesta em erros primários, alguns deles oferecendo de mão beijada golos a adversários. Com Morato a não mostrar evolução apesar de uma utilização continuada, só Tomás Araújo surge como possível titular. Pouco a meu ver porque, neste momento, precisaria de dois e consistentes pois os outros não o são. A saída de João Neves tem sido preparada por Schmidt com a opção por dois trincos (Barreiro e Florentino), mas talvez seja de menos para jogos com tantos pés-de-chinelo que habitam na nossa prova maior. Pode ser que Rollheiser e Prestiani tragam, graças à sua juventude e à sua qualidade, algo de verdadeiramente novo – são jogadores diferentes e cheios de vontade de jogar com aquela camisola (algo que nunca é de somenos). Se não forem eles, a apagada e vil tristeza manter-se-á por mais uma época perdida logo à partida. E os encarnados cairão mais um degrau num declive que têm andado a cavar.

Como não nasci para bruxo nem tenho pretensões a Nostradamus, limitei-me a transferir para os dias que correm – e com as indicações da pré-época – aquilo que aconteceu na anterior. O facto pode ser doloroso para este Roger/Rogério, mas a verdade é que quanto mais tempo se mantiver no cargo mais fundo irá cair um conjunto que, desculpem lá o mau-jeito, está formatado para actuar com individualidades que já não podem (umas nunca puderam) vestir a camisola de um clube com o estatuto do Benfica.

A bigorna de Rui Costa

Conheço o Rui Costa desde menino, tenho uma estima especial pelo seu pai, o Senhor (com maiúscula) Vítor, e uma ternura infinita por ele e pela sua família, mas isso não pode impedir-me de considerar que a manutenção deste treinador foi, até agora, o maior erro da sua vida desportiva. Roger Schmidt tem uma visão primária de futebol que o leva a ser, neste momento, uma especie de bigorna amarrada aos pés de um presidente que tenta nadar num mar de vagas alterosas. Confesso que nunca, nestes quarenta anos de profissão, imaginei asistir aos insultos e impropérios que os adeptos dirigem a um homem que tanto adora o clube. Mas a realidade é que a teimosia em abraçar-se a Roger Schmidt, depois de uma época indigna, colocou o Rui nesta situação insustentável. Lamentável, para não dizer pior, a forma o alemão como reage a cada derrota. Há uma expressão em alemão que define bem o seu discurso bacoco: «Latrinenparolen». Conversa de treta, para ser bem educado. Não assume culpas, insiste que há uma estratégia preparada para todos os jogos (pelos vistos errada), lança sobre os seus jogadores o opróbrio de uma visão redutora do jogo que é a sua.

Sejamos claros: que esperam os benfiquistas que aconteça nas próximas semanas? Que esta equipazinha que não serve nem para trazer por casa desate, de repente, a jogar enormidades? Que Di Maria e Otamendi passem, num golpe de mágica, a terem 25 anos? Que Renato Sanches se transforme numa especie de Super-Homem e carregue com a equipa às costas? Não. O problema está longe de ser individual. Prende-se com uma falta total de noção do jogo a praticar e da forma como abordar os adversarios que vão surgindo. Não tenho nenhum problema em apostar aqui, singelo contra dobrado como nos livros do Texas Jack, que com este alemão que nada tem de alemão se não a língua, o Benfica voltará a ganhar nada de nada, como aconteceu no ano passado. Vai Rui Costa soltar as amarras que tem com ele e devolver alguna crença aos que ainda o seguem, ou vai preferir ir para o fundo numa confiança que Roger Schmidt há muito tempo não merece? Gostaria de dar respostas  a estas perguntas. Mas só o presidente do Benfica conhece o segredo delas. E foi eleito para isso.