Notificações judiciais: Um eterno consumidor de recursos policiais

É com agrado que assistimos a proposta do Governo para que as notificações judiciais passem realizadas por via eletrónica. Ainda assim, tal anúncio não corresponde as reais necessidades da Polícia de Segurança Pública e dos seus polícias.

Ora, já em 1994 se discutia na Assembleia da República o impacto das diligências solicitadas pelos Tribunais na atividade da PSP e da GNR. Das mais de 1,2 milhões de diligências solicitadas, mais de 800 mil correspondiam a pedidos de notificação pessoal. Foram encontradas soluções para as diligências em matéria cível, que apesar de não terem resolvido o problema, permitiram a sua minimização. Contudo, o mesmo não se verificou com as diligências em matéria penal, em especial para a realização de notificações, área na qual a PSP empenha centenas de polícias com o dispêndio de centenas de milhares de horas.

Apesar de desde 2009 a PSP já dispor de integração e compatibilização com o CITIUS, tal apenas permite o envio de informação para os Tribunais automaticamente e de forma eletrónica, sendo que toda a informação em sentido inverso circula, ainda hoje, em papel, o que implica o seu posterior registo no sistema informático da PSP, para que, tratando-se de um pedido de notificação, o mesmo fique disponível em qualquer ponto do território nacional. Este trabalho manual já poderia [e deveria] estar informatizado. Mas, parte dele, cremos que uma boa parte, até poderia ser desnecessário, caso as notificações eletrónicas fossem a regra.

Ora, em 2017 foi criado o Serviço Público de Notificações Eletrónicas (SPNE), associado a morada única digital. Contudo, além de se tratar de um sistema de adesão facultativa para pessoas singulares e coletivas, bem como das entidades emitentes das notificações, apenas poderia ser utilizado para as notificações não judiciais.

O anúncio recente, pela informação veiculada pelos OCS, apenas torna obrigatória a notificação eletrónica para empresas, aplicando-se uma taxa de 51 euros as empresas não aderentes, por cada notificação efetuada por via não eletrónica, valor em linha com o previsto no Regulamento de Custas Processuais (n.º 1 do art.º 9.º).

Ao não ser obrigatório para as pessoas singulares (ainda que se admitam algumas exceções, associadas a iliteracia digital ou fundamentada indisponibilidade de uma morada única digital), tal implicará que continue a recair sobre os polícias a realização de milhares de notificações pessoas, entre outras diligências, com graves consumos de tempo, impossibilitando a sua alocação, desde logo, no tão propalado e desejado policiamento preventivo e de visibilidade.

A Lei Orgânica da PSP prevê que esta possa afetar polícias para a realização das atividades de comunicação dos atos processuais previstos no Código de Processo Penal, prevendo igualmente que a prestação e o pagamento dessas diligências sejam regulados por Portaria Conjunta (n.º 1 do art.º 16.º), o que até aos dias de hoje, volvidos quase 20 anos, estranhamente, não se verificou.

Apesar da desejável desmaterialização das notificações, passando a notificação pessoal a constituir-se uma exceção, e não, como muitas vezes ocorre, a primeira opção, a regulamentação da prestação e pagamentos das diligências solicitadas pelos tribunais (e por outras entidades) permitiria constituir-se como uma receita própria  da PSP, verbas que poderiam ser utilizadas em investimento, cujas rúbricas orçamentais são sempre tão escassas e que impedem a desejável transformação digital da Polícia de Segurança Pública, para que possa prestar um melhor serviço público, permitindo-lhe estar, cada vez mais, onde e quando o cidadão de si necessite.