A notícia de que alguns turistas foram ‘atacados’ em Barcelona, por manifestantes munidos de bisnagas, surpreendeu os menos atentos. Parece que se tornou moda culpar o turismo, e os turistas, pelos males das cidades europeias (o fenómeno é sobretudo europeu).
Em Veneza, cidade que desde os anos 50 do século passado já perdeu cerca de 120 mil habitantes, houve protestos contra o turismo de massas, apontado o setor como o responsável pelo crescimento dos preços da habitação.
Por cá, em Sintra, já houve protestos sonoros contra o trânsito caótico e a subida dos preços das casas, que o turismo terá provocado. Diz-se que a vila, património da humanidade, está a ser descaracterizada.
Curiosamente, os manifestantes criticam o turismo, como atividade, e não as políticas públicas que não defendem as comunidades dos impactos negativos da mesma.
Vamos, porém, colocar a questão em perspetiva. Estes protestos ocorrem em países nos quais o turismo tem um peso relevante na criação de riqueza: Portugal, 20% do PIB, Espanha, 14,6% do PIB, e Itália, 10,5% do PIB (na UE, o peso médio do turismo nos diversos PIB é 10,1%). Claro está que, para além do peso do setor na economia, soma-se a sempre relevante criação de postos de trabalho. Será que quem protesta leva estes factos em consideração? Certamente que não.
Há muito que vimos escrevendo que a habitação não recebeu (até recentemente), por parte da maioria dos governos europeus, o tratamento devido. Ainda que esta esteja nas constituições (como na portuguesa) como um direito fundamental, a realidade é que foi sendo tratada apenas como mais um setor da atividade económica, repetindo-se a frase ‘é um problema do mercado’.
Como escrevemos na passada semana em relação à saúde, se o acesso à habitação deve ser universal, o mercado funciona onde há recursos económicos para funcionar. Quando não funciona (leia-se ‘pobres’ ou ‘empobrecidos’), o Estado tem de intervir, por forma a que esse direito não seja letra morta. Paralelamente, mesmo onde o mercado funciona, tem de haver equilíbrio entre oferta e procura – os promotores não estão no mercado para fazer caridade, estão para maximizar o seu lucro.
No que respeita ao impacto da chegada dos turistas a uma cidade, seja na infraestrutura, seja nos equipamentos, a cobrança da taxa turística tem sido a medida mais eficaz para que estes contribuam para a vida da cidade. Em Lisboa, por exemplo, desde que a medida entrou em vigor, em 2016, a mesma já contribuiu com mais de 200 milhões de euros para os cofres municipais. A justeza dessa taxa reflete-se na sua generalização, ainda este mês teve início a sua cobrança em Oeiras.
Este não é um artigo apologético dos impactos do turismo ou glorificador das suas virtudes (até porque uma economia desindustrializada não é uma economia efetivamente competitiva), apenas se procura chamar a atenção para excessos e para o que se pode estar a pôr em causa, dirigindo o foco da gestão dos impactos do setor para o lugar correto, os governantes. É a estes que devem ser assacadas responsabilidades na gestão da vida na cidade, não a quem vem visitar.
Em Portugal, parece ter-se passado da euforia pelo papel do turismo na recuperação económica do país no ‘durante’ e ‘pós-troika’, para uma lamentável ingratidão.
Quando deitamos ‘bisnagadas’ num turista, convém pensar no quanto do nosso bem-estar comum que decorre desse turista, com a riqueza que nos ajuda a criar. Deitar vantagens competitivas pela janela nunca foi boa política.