Saúde. Será que um medicamento para o cancro pode tratar a Alzheimer?

De acordo com os investigadores da Pennsylvania State University, o fármaco em desenvolvimento tem um “grande potencial” para auxiliar o tratamento da Alzheimer nos estágios iniciais.

Um medicamento em desenvolvimento para combater o cancro pode ser aproveitado para tratar, igualmente, a doença de Alzheimer nos seus estágios iniciais, de acordo com um novo estudo.
Bloquear uma enzima chamada indoleamina-2,3-dioxigenase 1 (IDO1) pode restaurar a memória e a função cerebral em modelos que imitam a Alzheimer, segundo investigadores da Penn State (The Pennsylvania State University). Os inibidores de IDO1 já demonstraram potencial na luta contra melanoma, leucemia e cancro de mama. “Estamos a provar que há um grande potencial para os inibidores de IDO1, que já fazem parte do repertório de medicamentos em desenvolvimento para tratamentos de cancro, para também tratar a Alzheimer,” afirmou Melanie McReynolds, coautora do estudo e professora assistente na Penn State, em comunicado.

Investigadores da Penn State, da Universidade de Stanford e de outras partes do mundo descobriram que interromper a ação da IDO1 ajuda a restaurar um metabolismo saudável da glicose nos astrócitos, as células mais abundantes no cérebro humano. A glicose, uma forma de açúcar, é a principal fonte de energia do cérebro e alimenta muitos dos seus processos. Níveis baixos de glicose podem prejudicar a função cerebral e levar a convulsões, perda de consciência e até danos cerebrais permanentes. “Estamos a demonstrar que, ao direcionar o metabolismo do cérebro, podemos não apenas desacelerar, mas reverter a progressão desta doença,” explicou Praveena Prasad, estudante de doutoramento da Penn State e coautora do estudo, também em comunicado.
As descobertas — publicadas na revista Science — sugerem que os inibidores de IDO1 também podem ser promissores para outros distúrbios neurodegenerativos progressivos. A forma mais comum de demência é a Alzheimer, caracterizada por perda de memória, confusão e mudanças comportamentais. Ainda não há cura conhecida para esta patologia: os medicamentos disponíveis podem ajudar a controlar os sintomas ou desacelerar a progressão da doença nos estágios iniciais, mas não conseguem ainda fazer mais do que isso. 

Estes medicamentos são classificados em duas principais categorias: inibidores da colinesterase e antagonistas do receptor NMDA (N-metil-D-aspartato). Além disso, mais recentemente, novos medicamentos intitulados de anticorpos monoclonais têm sido desenvolvidos para atacar a patologia subjacente da Alzheimer. 

Os inibidores da colinesterase são usados principalmente para tratar sintomas de Alzheimer nos estágios leve e moderado. Funcionam ao aumentar os níveis de acetilcolina, um neurotransmissor que é importante para a memória e a aprendizagem, que tende a ser reduzido em doentes com Alzheimer. O Donepezilo pode ser usado para tratar todos os estágios da doença de Alzheimer (leve, moderado e grave). É um dos inibidores da colinesterase mais comumente prescritos. A Rivastigmina também é utilizada para tratar estágios leve e moderado da doença de Alzheimer. Está disponível em forma de cápsulas ou adesivos transdérmicos. Já a Galantamina é indicada para o tratamento de sintomas de Alzheimer nos estágios leve e moderado. Funciona de maneira semelhante aos primeiros dois fármacos.

Os Antagonistas do Recetor NMDA regulam a atividade do glutamato, um neurotransmissor que, em excesso, pode levar à morte celular, algo que ocorre em grande escala em cérebros afetados por Alzheimer. A Memantina é o principal medicamento dessa classe. Ajuda a melhorar a memória, a atenção, a razão e a linguagem, e é normalmente usada em doentes com Alzheimer moderada e grave. 

Os Anticorpos Monoclonais constituem uma classe mais recente que visa diretamente as placas de beta-amiloide, uma característica chave da patologia da doença de Alzheimer. São projetados para ajudar o sistema imunitário a identificar e remover essas placas tóxicas do cérebro. O Aducanumabe foi aprovado pela FDA (Agência de Alimentos e Medicamentos dos EUA) em 2021, sendo o primeiro tratamento a visar diretamente a fisiopatologia da Alzheimer, reduzindo as placas de beta-amiloide no cérebro. No entanto, a sua aprovação foi controversa devido a preocupações com a eficácia e os efeitos colaterais. O Lecanemab, aprovado em 2023, demonstrou reduzir a progressão da doença leve ao remover as placas de beta-amiloide. A aprovação foi baseada em ensaios clínicos que mostraram uma redução significativa no declínio cognitivo.

Importa referir que o Lecanemab foi o primeiro a mostrar efeitos promissores contra a Alzheimer, sendo aprovado pela Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA) no Reino Unido. Inicialmente, após 12 meses de tratamento, os resultados não mostraram eficácia significativa, mas após 18 meses, o medicamento demonstrou um impacto positivo no tratamento, reduzindo o declínio cognitivo em 27% em doentes com Alzheimer precoce, em comparação com um placebo. O Lecanemab, que é administrado duas vezes por mês, não é uma cura, mas pode retardar a progressão da doença.
O Reino Unido é o primeiro país da Europa a aprovar o medicamento para tratar a causa subjacente da Alzheimer, em vez de apenas os seus sintomas. No entanto, o medicamento não foi aprovado pelo Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (NICE) para uso no sistema de saúde pública britânico (NHS), devido a preocupações com possíveis efeitos colaterais, como inchaço cerebral e hemorragias. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) também rejeitou o Lecanemab, afirmando que os riscos associados superam os seus benefícios limitados no tratamento da doença.

Para além dos fármacos referidos, existem alguns que são utilizados para tratar sintomas comportamentais ou psicológicos associados à Alzheimer, como depressão, ansiedade, agitação e alucinações. Antidepressivos como Sertralina, Citalopram e Fluoxetina, ansiolíticos como Lorazepam e Oxazepam ou antipsicóticos como Risperidona, Olanzapina e Quetiapina, para tratar alucinações, agitação grave e comportamento agressivo são habitualmente prescritos. No entanto, o uso de antipsicóticos é geralmente limitado devido aos riscos de efeitos colaterais graves, especialmente em idosos (a faixa etária mais afetada por esta doença).

Estima-se que cerca de 55 milhões de pessoas vivem com a doença de Alzheimer ou outras formas de demência em todo o mundo, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2021. Esse número está a crescer rapidamente devido ao envelhecimento da população global. A previsão é de que o número de pessoas com demência quase triplique, alcançando aproximadamente 139 milhões até 2050. Em Portugal, segundo um estudo divulgado em abril, o número de casos de demência pode duplicar nos próximos 50 anos. Estima-se que, até 2080, cerca de 450 mil portugueses possam ser afetados pela demência.