A casa muito engraçada não tem teto nem nada

Os adeptos do Benfica podem estar aliviados com a saída de Schmidt, mas estarão desiludidos com a sua sucessão

Roger Schmidt, o realizador alemão de filmes de terror, foi despachado do Benfica pela porta do cavalo e deixa para trás o mistério de alguém que em dois anos regrediu como treinador como raramente se tem visto. A sua saída é, sem dúvida, um alívio para os adeptos encarnados, mas todo o processo que se montou em redor da sua sucessão só pode ser visto como um filme cómico. Não sou espetador daqueles programas em que se gastam horas em especulações sobre o mercado e custa-me a acreditar que um quinto dos treinadores apontados ao Benfica tenham, sequer, estado nas cogitações de Rui Costa. Uns por manifesta incompetência para o cargo, outros por uma questão de caráter, ou neste caso de falta dele. 

Voltemos ao natural alívio dos adeptos. Nas últimas horas terá sido substituído, primeiro por estupefação, em seguida por incredulidade. O regresso de Bruno Lage é, confesso a minha ingenuidade, uma surpresa. Não porque tenha algo contra a pessoa, que sempre deu uma imagem cavalheiresca de si mesmo, mas porque, tal como Schmidt, a sua carreira entrou em regressão desde o momento em que festejou o título nacional pelo Benfica. Para uma equipa que precisava de um choque psicológico, parece-me que está prestes a sofrer um choque anafilático. Lage é, hoje em dia, um perdedor, e os números que somou no Wolverhampton (51 jogos e apenas 19 vitórias) e no Botafogo (15 jogos, 4 vitórias) estão aí para prová-lo. Foi corrido a pontapé destes dois clubes e já ninguém lhe pegava até que a direção dos encarnados e o seu presidente se lembraram dele vá lá perceber-se ao certo por quê, Muito provavelmente, arriscarei, porque nesta altura nenhum treinador porá em causa o seu prestígio num clube que está como na velha canção do Vinicius, lembram-se?: «Era uma casa muito engraçada/Não tinha teto, não tinha nada/Ninguém podia entra nela não/Porque na casa não tinha chão».

Bater no fundo dos fundos

Escrevi aqui que Schmidt não apenas pôs em risco uma boa época como destruiu a esperança numa boa época. Não sou de me deitar a adivinhar mas, ao perceber que será Lage a render o alemão, a previsão mantêm-se nos mesmos parâmetros. À medida que o Benfica foi despachando jogadores a esmo, alguns deles importantes no plantel como David Neres, Marcos Leonardo e até, para determinadas funções, João Mário, o posto de treinador de uma equipa que parece uma manta de retalhos passou a ser cada vez menos interessante. Convenhamos que há nesta escolha uma sombra de desespero. Por parte do clube que precisava de um treinador e, pelos vistos, de um treinador qualquer, fosse ele quem fosse – e mesmo os adeptos atingiram tal ponto de desorientação que já se dispunham a receber Sérgio Conceição de braços abertos, dando de barato que não o seu perfil vai contra todos os princípios que nortearam quem ocupou aquele cargo; por parte do treinador porque precisava de um clube sob o risco de ser varrido para sempre pelos ventos do olvido e o Benfica cai-lhe no colo como a lâmpada de Aladino.

Assim sendo: junta-se a fome à vontade de comer. Um Benfica de cabeça perdida, de campeonato perdido (sou eu que o digo), metido no sarilho de uma Liga dos Campeões na qual só pode fazer os impossíveis para não sofrer enxovalhos que belisquem ainda mais a sua história cada vez mais esquecida de grande da Europa amarra-se a um treinador infeliz que não pode, depois das desgraças porque passou nos últimos empregos, regressar à Luz com voz de comando necessária para juntar um grupo disperso de jogadores emersos numa confusão total, que não sabem o que fazer em campo (alguns parecem não querer fazer mesmo nada), que perceberam desde o jogo de Famalicão que estão obrigados a jogar pelo segundo ou pelo terceiro lugar, ou então pela descredibilizada Taça da Liga ou pela cada vez mais pobre Taça de Portugal.

Não duvido que Bruno Lage sinta esperança e confiança e até ambição. Mal seria se assim não fosse, ainda por cima agora que pode gozar a satisfação de regressar a um clube do qual foi despedido da forma como foi, com os adeptos a chamarem-lhe os mesmos nomes que chamavam a Schmidt. O problema maior é que continuamos a ter a sensação de que Lage não foi uma escolha: foi uma consequência. A consequência de algumas recusas, que terão certamente existido, e a consequência de Rui Costa estar a ser pressionado a apresentar um novo treinador com urgência e não haver assim por assim muitos no mercado. Ponho a coisa em termos mais duros, sem problemas de consciência:Bruno Lage cai na Luz de paraquedas, sem que nada verdadeiramente aconselhe a preferência por ele, seja por uma questão de personalidade (que é demasiado mole numa altura que será preciso engrossar a voz), seja por uma questão técnica – afinal é um treinador muito, como dizer?, feijão com arroz, como diriam os brasileiros, sem rasgo nem imaginação para pegar naquele amontoado de jogadores escolhidos com pouco critério e fazer deles uma equipa entusiasmante. Não, o Benfica não precisa de Bruno. Num clube sem paredes, sem chão e sem teto, precisava era de um construtor civil…