Por razões históricas, a Alemanha tem combatido o aparecimento de movimentos nacionalistas e extremistas, mas as eleições do passado domingo trouxeram uma nova realidade. A vitória do Partido Alternativo para a Alemanha AfD na Turíngia provocou um “sismo” político na poderosa Alemanha, foi a primeira vez que um partido de extrema-direita venceu eleições regionais após a Segunda Guerra Mundial, efeito esse que foi ampliado com o segundo lugar nas eleições na Saxónia.
O crescimento da extrema-direita alemã confirma a ascensão dos partidos nacionalistas na Europa, nomeadamente em França, com a Frente Nacional de Marine Le Pen, em Itália, com o partido conservador Irmãos de Itália de Giorgia Meloni, e nos Países Baixos, com o Partido pela Liberdade de Geert Wilders, que venceu as eleições legislativas em 2023. Outros exemplos vêm de Espanha, com o Vox de Santiago Abascal, que é a terceira força política do país, acontecendo o mesmo com o Chega, de André Ventura, em Portugal.
As sondagens realizadas na semana anterior deixavam antever um cenário difícil para a coligação que governa a Alemanha desde 2021. O ataque à facada, em Solingen, ocorrido dois dias antes das eleições, que causou três mortes e vários feridos, perpetrado por um sírio, veio dar mais força às ideias anti-imigração do AfD. Os casos sucedem-se e, ontem, a polícia abateu um austríaco que disparou vários tiros junto ao consulado de Israel em Munique, o que foi considerado pelo ministro do Interior da Baviera como «provavelmente um atentado contra o consulado».
No final da noite eleitoral, confirmou-se que os resultados estavam em linha com o barómetro mensal ‘DeutschlandTrend’ da emissora pública ARD, segundo o qual quatro em cada cinco alemães estavam insatisfeitos com o trabalho do Executivo. Os eleitores manifestarem nas urnas o seu desagrado pela política do Governo, especialmente no que diz respeito à segurança. Prova disso é que a taxa de participação foi de 75%, mais 9% do que em 2019. De nada valeu o facto de Björn Höcke, o radical líder do AfD na Turíngia, ter sido condenado duas vezes por ter pronunciado em público as palavras «Alles für Deutschland», um slogan usado pela milícia nazi que significa «Tudo pela Alemanha».
Forte impacto
Nunca umas eleições regionais tiveram tanto impacto em Berlim como as do passado domingo, cujos resultados foram considerados «preocupantes» pelo chanceler Olaf Scholz, que lidera um Governo de coligação formado por três partidos: sociais-democratas (SPD), os Verdes e os liberais (FDP). Scholz foi mais longe e pediu um «cordão sanitário» para evitar que o AfD chegue ao poder. Foi um duro golpe para o chanceler social-democrata, que pretende candidatar-se a um segundo mandato nas eleições legislativas de 28 de setembro de 2025.
O Partido Alternativo para a Alemanha ganhou na Turíngia, uma região fortemente agrícola, com dois milhões de habitantes, com 32,8% dos votos (32 deputados), mais 9,4% do que nas eleições de 2019. Em segundo lugar ficou o principal partido da oposição, a União Democrata-Cristã (CDU) de centro-direita, com 23,6% (23 deputados). O líder do AfD na Turíngia, Björn Höcke, afirmou de imediato: «Estamos prontos para assumir a responsabilidade do governo. Os partidos antigos deveriam mostrar humildade perante os resultados». Apesar da vitória, Höcke sabe que não consegue governar sozinho e precisa da segunda força mais votada, a CDU: «A nossa mão está estendida. Também estamos dispostos a fazer compromissos». Só que os democratas-cristãos responderam de imediato a dizer que não fazem coligações com o AfD, um partido ultranacionalista e anti-imigração com ligações a grupos neonazis, além de ser pró-Rússia.
Na Saxónia, a CDU é a força política dominante desde a reunificação da Alemanha 1990 e ganhou com 31,9% dos votos (41 deputados), a AfD ficou em segundo com 30,7% (40 deputados), o que significa que o partido de extrema-direita ganhou 3,1% nos últimos cinco anos e os democratas-cristãos perderam 0,2%. De salientar que nas duas regiões do leste da Alemanha, o AfD obteve mais votos do que os partidos da coligação juntos.
O novo partido de extrema-esquerda, Aliança Sahra Wagenknecht, apresentou-se às eleições com um discurso em defesa de uma política económica comunista combinada com a retórica anti-imigração da AfD, e tornou-se a terceira força política na Turíngia, com 15,8% (15 deputados), e na Saxónia, com 11,8% (14 deputados). Estes resultados reforçam a ideia de que a Alemanha está a caminhar para um extremismo de sinais contrários.
A fraca votação nos partidos da coligação deixa-os num papel secundário em qualquer solução de governo. O SPD teve os piores resultados da sua história em eleições regionais, mas ainda assim conseguiu manter representação parlamentar. Já os Verdes perderam os deputados na Turíngia e os liberais ficaram sem representação nas duas regiões. Outra vítima colateral do avanço do AfD é o partido comunista SED, que liderou os destinos da República Democrática Alemã (RDA) entre 1949 e 1989: está em profunda crise e praticamente desapareceu da cena política, uma vez que perdeu assento parlamentar regional.
Apesar destes resultados, existe a convicção de que a extrema-direita não está em condições de governar, já que os outros partidos se comprometeram a não fazer alianças com o AfD. «O nosso país não pode, nem deve habituar-se a isto. O AfD prejudica a Alemanha. Está a enfraquecer a economia, a dividir a sociedade e a arruinar a reputação do nosso país», afirmou o chanceler alemão, que apelou aos «partidos democráticos para que estabeleçam governos estáveis sem extremistas de direita».
Depois deste terramoto eleitoral, aguarda-se com expetativa as eleições regionais de 22 de setembro em Brandemburgo, região dominada pelo sociais-democratas do SPD. Uma coisa parece certa: depois deste aviso, os partidos vão começar a adotar políticas mais severas em matéria de segurança interna para tentar reconquistar os eleitores desiludidos.
Coligações difíceis
As negociações para formar governo na Turíngia e na Saxónia vão ser extramemente complicadas. A CDU pode fazer parte da solução, mas não tem votos suficientes para governar sozinha. Se a opção passar por fazer uma aliança com o novo partido de extrema-esquerda de Sahra Wagenknecht, ainda assim vai precisar dos votos do SPD e de mais alguém para obter uma maioria simples em qualquer dos parlamentos, o que daria uma gerigonça difícil de entender. Além disso, há vários pontos de conflito entre o AfD e as outras forças políticas, começando pela intenção de interromper a ajuda militar à Ucrânia e impedir a instalação de mísseis de longo alcance norte-americanos em território alemão, contrariando uma decisão tomada na Cimeira da NATO em julho deste ano.
Outro ponto sensível é a ligação a grupos neonazis. Soube-se recentemente que vários membros do partido estiveram numa reunião, que deveria ter sido secreta, para elaborar um projeto de expulsão de milhões de imigrantes e de alemães de origem magrebina.
Omid Nouripour, líder de Os Verdes, manifestou «muita preocupação e medo por um partido abertamente extremista de direita tornar-se na força mais forte num parlamento estadual pela primeira vez desde 1949». A presidente do partido liberal Renew no Parlamento Europeu, Valérie Hayer, disse mesmo que este foi um «dia negro» para a Alemanha e para a Europa. «Os resultados eleitorais na Turíngia e na Saxónia não têm precedentes. Não deixemos que a Europa ceda a movimentos racistas, antisemitas, misóginos e homofóbicos. Mais do que nunca, devemos defender os nossos valores democráticos», escreveu na sua conta do X.