Quando tudo treme

Assim como assim, vou passar a ter um saco com umas roupinhas, uma lanterna e um apito sempre pronto, não vá um dia a coisa ser mais grave

Querida avó,

O sismo que acordou Lisboa de madrugada foi o assunto da passada semana. Por coincidência, aconteceu precisamente 58 anos depois de um outro. Em alguns testemunhos que vi, na TV, muitos nem sabiam que, terremoto, abalos sísmicos ou tremor de terra… é tudo a mesma coisa.

Quanto ao “que fazer em caso de terramoto”, deixa-me que te diga que, em caso de existir um grande terramoto, idêntico ao de 1755, ou a muitos que vemos no estrangeiro, julgo que não gostaria de sobreviver.

Imaginar a cidade onde vivo num cenário apocalíptico, sem nos podermos deslocar para lado nenhum durante anos, nem conseguir comunicar com ninguém durante semanas, sem água, condições de higiene, familiares e amigos desaparecidos, ter procurar ajuda alimentar, sem hospitais, sem trabalho… com grande parte do país destruído… Isto não seria sobreviver. Seria, sim, viver num filme de terror. Não quero!

Muito açorianos consideraram tudo isto, “A histeria do sismo de Lisboa”. E com razão! Ao longo das últimas décadas tiveram terramotos muito mais fortes, que destruíram casas e tiraram vidas… No rescaldo do tremor ouvimos muitos referirem este abalo como “O maior sismo em Portugal nos últimos 50 anos”, como se os Açores não fizessem parte de Portugal.

Pelo menos, o tema deu ao fim do mês de agosto outras notícias que não sejam o regresso dos temas políticos.

Assim como assim, vou passar a ter um saco com umas roupinhas, uma lanterna e um apito sempre pronto, não vá um dia a coisa ser mais grave. O largo do Palácio da Ajuda continuará a ser um lugar seguro? O Aqueduto das Águas Livres terá resistência para sobreviver a um futuro terramoto?

Esta semana aproveitei para reler o livro “Quando Lisboa Tremeu” do Domingos Amaral.  

Espero nunca viver algo semelhante.

Bjs

Querido neto,

O sismo de há dias ainda não me saiu da cabeça – e duvido que alguma vez saia.  A minha casa tremeu toda, fotografias que tinha na parede caíram para o chão e isto durante alguns segundos. No entanto, tive vizinhos que, tal como tu, garantiram não ter ouvido nada! Claro que também houve outros que disseram que sim senhora, tinham ouvido um estrondo e a casa a abanar… mas que pensaram que era um camião a passar na estrada!! Meu Deus, só se fosse algum camião gigante! Mas a maioria fez como eu: acordou, “olha um tremor de terra!”, virou-se para o outro lado e tornou a adormecer. E o que é que se podia fazer?!

Mas claro que me lembrei logo do sismo de 1969. Tenho a certeza de que esse foi mais forte. Só me lembro de tudo começar a tremer lá pelas 3 da manhã, e eu levantar-me da cama, pegar na minha filha, que era pequenina, e sair porta fora.

A seguir só me recordo de ter ido parar ao alto do Parque Eduardo VII onde, evidentemente, não estava ninguém. Depois acalmei e voltei para casa – onde o meu marido dormia como se nada se tivesse passado. Deitei a criança, deitei-me eu e só lhe disse no outro dia de manhã. Até porque ele estava sempre a lastimar-se por dormir muito mal. 

Como tudo o que se tem ouvido, tens aprendido o que fazer em caso de existir um tremor de terra?

Amanhã, na esplanada vou continuar a ler o livro “O dia em que o mar voltou” de Miguel Gizzas.

Também terminei agora o belíssimo livro, do Domingos, que referes. Quando a Lisboa, de 1 de novembro de 1755, nasce calma. De repente, às nove e meia da manhã, a cidade começa a tremer. Com uma violência nunca vista, a terra esventra-se, as casas caem, os tetos das igrejas abatem, e o caos gera-se, matando milhares. Nas horas seguintes, uma onda gigante submerge o Terreiro do Paço, e durante vários dias incêndios colossais vão aterrorizar a capital do reino.

Fica bem, se puderes.

Bjs