Se os Jogos Olímpicos da Era Moderna nasceram na Grécia em 1896, os Paralímpicos, evento desportivo destinado a atletas com deficiência, são bastante mais recentes e tiveram origem em Inglaterra em 1948. Nesse ano, o neurologista Ludwig Guttman organizou uma competição para combatentes britânicos da Segunda Guerra Mundial com lesões na espinhal medula, pois acreditava que a prática desportiva podia acelerar a sua recuperação. Foi o início de um ideal que se concretizou em 1960 com a realização dos Jogos Paralímpicos em Roma, onde 400 atletas, de 23 países, competiram em oito modalidades.
O movimento paralímpico ganhou força e tornou-se global seguindo o lema: “A mente, o corpo e a alma”. Os jogos de Paris 2024 registam uma participação sem precedentes com 4.400 atletas paralímpicos, em representação de 168 países, que vão competir em 22 modalidades. A delegação portuguesa é composta por 27 atletas de dez modalidades e já conquistou três medalhas: duas de ouro e uma de bronze. Os organizadores esperam uma audiência superior a três milhões de espetadores. Estes jogos mostram ao mundo a força do desporto paralímpico; quando falam em deficiência, o atleta responde com desempenho, quando lhe dizem que é impossível, ele faz. E temos grandes exemplos de coragem e determinação.
Cyrille Chahboune foi militar na guerra do Iraque e agora defende a França no maior evento desportivo do mundo. «Estava nas forças especiais, que são o topo da pirâmide, mas os jogos também são o topo para os atletas», sublinhou. O ex-paraquedista foi ferido no Iraque e encontrou no voleibol a forma de continuar a defender o seu país. «Representar a França sempre foi fundamental para mim, algo que me toca particularmente», disse o líbero da seleção gaulesa. Esteve mais de dez anos nas forças especiais tendo realizado missões no Chade, Afeganistão, Líbia e Mali. Em 2016, na luta contra o Daesh, a sua unidade foi vítima de um ataque de drone que provocou várias baixas e feriu gravemente Cyrille Chahboune, que esteve mais de um mês nos cuidados intensivo, foi submetido a 50 operações e tiveram de lhe amputar as pernas. Começou um longo período de reabilitação, que passou por aprender a andar com próteses e reaprender os gestos do dia a dia. Durante a reabilitação, regressou ao desporto, e, antes de optar pelo voleibol sentado, experimentou o esqui alpino, vela, natação, rugby em cadeira de rodas e tiro com pistola. Em Paris 2024, Cyrille Chahboune vive a experiência única dos jogos «diante de casa cheia». O seu principal objetivo é «ser competitivo e levar bem alto as cores da bandeira tricolor».
Melhor do que Phelps
Aos 32 anos, Jessica Long está a participar pela sexta vez nos jogos paralímpicos, onde já conquistou 29 medalhas: 16 de ouro, oito de prata e cinco de bronze, e detém vários recordes mundiais, o que significa que a nadadora norte-americana, nascida na Rússia, tem mais uma medalha do que o lendário Michael Phelps. Começou em Atenas 2024, com 12 anos, e, desde então, tem sido sempre a ganhar. Em relação a estes jogos, confidenciou que «estar em Paris é muito emocionante». «Quero ver a minha família nas bancadas, o meu marido, os meus amigos, e saber que estou à altura e que a natação é algo que amo. Quero deixar as minhas pesadas próteses e saltar para dentro de água e nadar. Não preciso ganhar outra medalha para provar aquilo que sou», referiu Jessica Long, que espera participar em Los Angeles 2028. «Seria fantástico, reformar-me em casa». Jessica Long nasceu na Sibéria com uma má formação congénita dos membros inferiores caracterizada por ausência completa ou parcial do perónio. Foi abandonada pelos pais biológicos e passou os primeiros meses num orfanato russo antes de ser adotada por uma família de Baltimore (EUA) quando tinha um ano. Aos 18 meses foram amputadas as duas pernas para poder usar próteses.
Markus Rehm é conhecido pelas suas proezas no salto em comprimento, em Paris prepara-se para ganhar o quarto título paralímpico. Perdeu a perna direita abaixo do joelho num acidente de wakeboard em 2003 e salta usando uma prótese em forma de lâmina em carbono concebida por ele próprio para prevenir lesões. Detém o recorde mundial com 8,72 m – é o nono maior salto de todos os tempos – uma distância que lhe daria a medalha de prata nos Jogos Olímpicos realizados o mês passado e o ouro nas quatro anteriores olimpíadas! Só que Rehm não pode competir nos Jogos Olímpicos porque as entidades desportivas consideram que saltar com a prótese dá-lhe vantagem sobre os não amputados. Estreou-se em Londres 2012: «Os primeiros jogos paralímpicos foram superespeciais, a minha família e os meus amigos estavam lá». Sempre afirmou que precisa de objetivos para se manter motivado e, em Paris 2024, só quer «competir com o estádio cheio, isso será incrível». «Espero que possamos apresentar o nosso desporto ao mundo», afirmou. Markus está invicto há mais de 13 anos entre campeonatos do mundo e Jogos Paralímpicos.
A nadadora norte-americana Ali Truwit é outro exemplo de coragem e determinação. Foi atacada por um tubarão em maio do ano passado que resultou na amputação de parte da perna esquerda no dia do seu 23.º aniversário. «O meu primeiro pensamento foi: ‘Estou louca ou não tenho pé?’. Foi uma imagem muito difícil para mim», recordou. Depois do ataque, ela e uma amiga nadaram cerca de 100 metros para chegarem a um barco, que serviu de salva-vidas. Passados 15 meses está a competir em Paris! «Quando saí do hospital pedi aos meus pais para guardarem todos os meus shorts, saias curtas e vestidos curtos porque não queria que ninguém visse a minha prótese», disse a jovem. Ali Truwit virou costas à adversidade com ajuda psicológica e muita fisioterapia. Voltou a nadar e está nos Jogos Paralímpicos. «É um dos momentos da minha carreira de que me orgulho bastante, porque sei o trabalho foi necessário para chegar aqui. Perdi muito, mas não queria perder o amor pela água», explicou. Além do desporto, lançou a fundação Stronger Than You Think (mais forte do que você pensa) para ajudar pessoas em processo de recuperação.
Contra o preconceito
Há mais de 120 milhões de pessoas deslocadas em todo o mundo, em Paris vamos encontrar uma equipa de atletas paralímpicos refugiados. A vida da afegã Zakia Khudadadi, de 25 anos, tem sido uma luta constante, enfrentou ameaças de morte e até pensou no suicídio. Cresceu num meio onde a deficiência nem sempre era compreendida e chegou a tapar a mão com um lenço grande para esconder a sua deficiência. Mas esse sentimento foi ultrapassado. «Quando olhava ao espelho, sabia que não tinha uma mão, mas imaginei na minha cabeça uma mão de ferro que me tornava imparável», contou. Enquanto esteve no Afeganistão dedicou-se a ajudar pessoas com deficiência e a defender as mulheres. «Vivi num país inseguro, com explosões diárias. Apesar desses desafios, nunca vacilei no meu compromisso e alcancei o meu objetivo». Em 2021, aproveitou a operação internacional liderada pelos EUA para retirar milhares de pessoas do Afeganistão dominado pelos talibãs e pediu asilo a França. A partir desse momento começou a trabalhar para estar presente em Paris 2024.
A atleta vive e treina atualmente em França e conquistou a medalha de bronze em taekwondo, categoria K44 -47kg, destinada a atletas amputados de membros superiores, e entrou na história ao dar a primeira medalha à equipa paralímpica de refugiados. «Estou tão feliz. Para mim, esta medalha de bronze é um sonho. O meu coração disparou quando percebi que tinha conquistado o bronze. Passei por muita coisa para chegar aqui. Esta medalha é para todas as mulheres do Afeganistão», sublinhou a atleta, que deu uma volta ao tatami com a bandeira da equipa de refugiados. «Estou muito orgulhosa desta bandeira porque hoje sou uma refugiada», lembrou.