A predominância cultural dos EUA, sobretudo na parte ocidental do mundo, faz com que as eleições americanas sejam vividas com uma intensidade exacerbada, que implica uma pequena recordatória: «Nós não somos norte-americanos». Somos, Portugal e UE, parceiros e aliados no mesmo sistema de segurança coletiva, mas não confundamos, quem quer que seja o próximo(a) presidente dos EUA, não são os nossos interesses que vai defender, são os seus.
Como tal, manda o mínimo bom senso que percebamos que há entre os dois candidatos uma diferença fundamental: Donald Trump não partilha os mesmos valores com a maior parte de nós. Seja no respeito pela democracia e pelas instituições, seja na decência e respeito pelos outros. Não obstante, se voltar a ganhar é com ele que teremos de lidar.
Venho escrevendo sobre a importância de termos uma abordagem pragmática a respeito da evolução do sistema internacional e a justa adaptação da nossa política externa a esse sistema. Como Lord Palmerston disse, «nós não temos aliados eternos nem inimigos perpétuos. Os nossos interesses é que são eternos e perpétuos, o nosso dever é prossegui-los».
Quando, durante a sua presidência, Donald Trump pressionou os europeus a cumprirem com o acordado em matéria de investimento na defesa, no quadro da NATO/OTAN, estava a cumprir o interesse norte-americano. O mesmo se aplica quando referiu, recentemente, que não apoiaria um aliado que não cumprisse com este investimento.
Os EUA estão envolvidos numa luta para conter quem consideram ser o seu adversário estratégico no século XXI, a China. A ascensão desta coloca em causa os equilíbrios internacionais que favorecem a posição internacional dominante dos EUA, na dimensão militar ou económica.
Todavia, a contenção da ‘China-potência’ tem um problema fundamental para os parceiros europeus: se a contenção da URSS foi realizada num contexto no qual esta era percecionada como uma ameaça real (como a Rússia de hoje permitiu voltar a ser), a ameaça chinesa não é sentida de igual forma, exceto por quem se sente norte-americano.
Os discursos de Trump podem ser sentidos como uma ameaça ou como um sinal de alarme. Da minha parte, opto pela segunda alternativa e, independentemente da forma, recordar Palmerston.
A perceção da mudança sistémica por parte dos EUA, não foi uma novidade de Trump. A redução de efetivos e de postos de trabalho civil nas Lajes começou na já longínqua década de´1990, no mandato de Bill Clinton (1992-2000), sendo particularmente acentuada durante a presidência Obama (2008-2016) – curiosamente ambos oriundos do partido democrata.
Se o início da redução de efetivos datou da excitação da ‘pax americana’ nos primeiros anos pós-guerra-fria, com Obama o eixo estratégico já estava claramente na região Ásia-Pacífico. Aliás, a importância do investimento europeu em defesa, mantendo-se o alinhamento NATO/OTAN, é também forma dos EUA libertarem recursos para investir naquela região.
A recente apresentação do ‘relatório Draghi’, sobre o futuro da competitividade europeia, nos termos nos quais está tratada a perda de competitividade da União com os EUA, mostram bem que há consciência da necessidade imperiosa de defender o nosso interesse.
Somos aliados e temos valores comuns, mas nós não somos norte-americanos. É importante que isto esteja claro na cabeça dos nossos políticos, até porque, do lado de lá do Atlântico, sabem que não são europeus.