Desafiando as leis da gravidade

O Red Bull Flugtag Lisboa era um voo solitário que sabíamos onde começava, mas não sabíamos onde acabava. A única certeza que existia é que terminava nas águas do Tejo, com milhares de pessoas a aplaudir. Foi o evento mais hilariante do ano

O Red Bull Flugtag teve a primeira edição na Áustria em 1992 e já passou pelos cinco continentes. É o evento mais antigo e o único que se mantém na agenda anual da marca, e onde já vimos de tudo, desde o Pai Natal com o seu trenó, um OVNI, uma sanita voadora e um hambúrguer com asas. Para ganhar pontos, os participantes vestem-se com os trajes mais loucos e divertidos, criam a sua própria música e dança antes de lançarem a máquina voadora.

Equipas de todo o país entraram numa onda criativa e conceberam vistosas máquinas voadoras, algumas divertidas – mais pareciam o Ornitóptero desenhado por Leonardo Da Vinci – outras mais ousadas e com algum apuro técnico, tudo isto para participar num evento que levou 20 mil pessoas à Doca da Marinha, em Lisboa. Participaram 36 equipas com projetos na forma de aviões, barcos, carros, animais e seres mitológicos com asas para realizarem um voo com duração incerta e aterragem garantida no Tejo. Entre voos mais ou menos longos e quedas espetaculares, a criatividade foi determinante para encontrar o vencedor. A rampa de lançamento estava seis metros acima da linha de água e as equipas foram avaliadas pela criatividade do projeto, performance no momento do lançamento e distância percorrida pela extravagante máquina. Um verdadeiro campeão Flugtag voa com estilo!

Cada formação tinha cinco elementos (quatro ajudantes e um piloto) e os projetos não podiam ultrapassar os oito metros de comprimento, nove de largura e três de altura, e o conjunto (máquina e piloto) não podia ultrapassar os 200 kg. Há, naturalmente, requisitos de segurança: o piloto não pode estar preso à máquina voadora, nem estar fechado em qualquer cápsula ou cockpit de onde não possa sair facilmente e todos os participantes que saltam para a água têm colete salva-vidas e capacete fornecidos pela organização.

A propulsão das máquinas voadoras era exclusivamente baseada na força humana e estava proibido o uso de motores, baterias, catapultas e elásticos. As equipas construíram as suas máquinas usando materiais recicláveis como plástico e cartão, mas também esferovite e até tubos de canalização para fazer a estrutura das máquinas voadoras.  

Bebés sim guerra não!

O júri deu a vitória à equipa Diaper Droppers, que apresentou o inovador “cegonhómetro” e a mensagem “Make Babies Not War”. Com uma apresentação incrível, deixaram toda a gente rir e com vontade de fazer bebés… disseram eles. Apesar de terem voado apenas três três metros, foi a criatividade que os levou ao topo da classificação, embora a performance no lançamento e a originalidade tenham cativado o júri. O tema peculiar, inspirado em fraldas (diapers), trouxe muitas risadas, mostrando que o voo pode ser curto, mas o impacto pode ser imenso. «O nosso segredo foi a união da equipa e muitas horas de dedicação, noite após noite. Foi uma experiência incrível e com esta vitória queremos reforçar a nossa mensagem: façam bebés e não a guerra!», explicou o capitão de equipa Vítor Silva. 

A Red Bull Flugtag já deixou raízes em Portugal. Desde 2006 que Os Rolhas, de Arruda dos Vinhos, participam neste evento, com a particularidade de este ano juntar a família Anágua, pai e filho fizeram parte da equipa que ficou em segundo lugar, numa divertida passagem de testemunho. O pai tem 50 anos e participou em todas as edições, o filho só agora tem idade para fazer parte de Os Rolhas. A equipa de sábios foi um exemplo de criatividade – foi a mais pontuada neste item – a performance na rampa foi divertida e conseguiram voar quatro metros, uma distância ligeiramente maior do que a dos vencedores, mas insuficiente para chegar ao primeiro lugar. «O meu pai participou pela primeira vez em 2006, nessa altura não tinha idade para participar, mas sempre assisti às provas. Construímos as máquinas voadoras na garagem de casa e os resultados têm sido bons. Em 2006, ficamos em primeiro lugar e ganhámos o prémio de maior distância de voo, em 2014 ficámos em segundo e, em 2018, ganhámos o prémio criatividade. No evento só podem estar cinco elementos, mas foram 12 pessoas que estiveram envolvidas na construção de um helicóptero na forma de moinho do Oeste, um projeto demorou três semanas a fazer usando alguns materiais da edição anterior. Todas as noites juntávamo-nos e penso que está uma bela obra para conquistar os céus», disse Tomás Anágua.

O último lugar no pódio foi para os Capas Negras. Inspirados nas tradições de Coimbra, a equipa apostou numa abordagem criativa para retratar a vida académica, impressionou pela coreografia e conseguiram voar 10 metros, a maior distância de voo, só que as outras duas pontuações foram inferiores às obtidas pelas outras equipas. Demoraram duas semanas a montar a máquina voadora com os materiais que encontraram. 

Mas houve muito mais. Pela Doca da Marinha vimos um leitão que veio à procura do amor com um ananás ao contrário na boca, uma vaca cor de rosa, uma réplica da chaimite Bula, numa alusão ao 25 de abril, padres e freiras alinhadas com o Diabo e até vikings, todos com uma fé imensa no voo.

Grandes voos 

Quando a ousadia, a engenharia imaginativa e a teatralidade se juntam, os pilotos do Red Bull Flugtag planam e bem. O recorde está em 78,6 metros obtido em 2013 (bateram o recorde por nove metros) e foi conseguido por uma equipa de engenheiros aeroespaciais e mecânicos que construíram o Chicken Whisperers, e confirmaram a ideia popular de que as galinhas também sabem voar. Oriundos de Palo Alto, na Califórnia, juntaram-se em Long Beach para bater as asas, agitar as penas da cauda e varrer o céu. A espetacular máquina voadora pilotada por Laura Shane voou com uma facilidade impressionante e aterrou no Oceano Pacífico, perante 110 mil espectadores em delírio. A título de curiosidade o recorde português é de 14,5 metros conseguido em 2014. 

A parte criativa e a conceção dos projetos pode conseguir proezas assinaláveis no Red Bull Flugtag, que não passam despercebidas. A equipa iii de Baar, na Suíça, impressionou a multidão com um voo simples e perfeito. A sua inovadora aeronave voou uns impressionantes 55,5 metros sobre o lago depois de ter sido catapultada de uma roda gigante empurrada pelos membros da equipa.